sexta-feira, 30 de maio de 2008

Alquimia e Materialismo

Nas primeiras eleições autárquicas no pós 25 de Abril, que ocorreram em 1976, o PCP concorreu sob a sigla FEPU ( Frente Eleitoral Povo Unido ) e teve como compagnons de route o MDP/CDE e a FSP, que era uma cisão do PS, liderada por Manuel Serra (o célebre "Manecas das Intentas"), veterano anti-fascista, envolvido no Assalto ao Quartel de Beja e que tinha abandonado o Partido Socialista com uma fracção depois da vitória da linha social-democrata no congresso da Reitoria em Dezembro de 74.
No Barreiro calhou à FSP um lugar elegível, o 10º da lista se não me engano, para a Assembleia Municipal e o António Cabós foi o candidato, aliás eleito. A primeira reunião plenária de todos os candidatos a todos os orgãos autárquicos do Concelho (tudo somado entre Câmara, Assembleia Municipal e Freguesias, efectivos e suplentes, o evento ainda mobilizou umas largas dezenas de "camaradas"), decorreu no saudoso Clube 22 de Novembro numa sexta ou sábado à noite, sendo obviamente reservada aos candidatos e dirigentes das forças políticas integrantes da FEPU, isto é aos dirigentes do PCP e ao António Cabós, que solitário, tentava aguentar o embate de tanta "camaradagem" junta.
A mim, por ser, tal como o Cabós, da Direcção do Clube coube-me abrir a porta, mas como teria também que a fechar e deixar tudo em ordem e já agora, por estar com o "bichinho" da curiosidade em relação ao que se iria passar, decidi armar-me em "espião do Celtic", como se dizia na altura, e escondido por detrás dos reposteiros de um camarote do pequeno S. Carlos que era o 22, deixei-me ficar a assistir ao encontro.
Quando começou a ser debatido o Programa Eleitoral da FEPU colocou-se o magno problema da descentralização do poder e o António Cabós no seu estilo voluntarioso e brilhante, como ainda hoje, rico na argumentação política, defendeu intransigentemente a descentralização do poder autárquico em toda e qualquer circunstância, aliás, na linha do socialismo auto-gestionário e basista que caracterizava o programa político da FSP.
Os dirigentes locais e nacionais do PCP ouviram, ouviram e contra-argumentaram ao estilo leninista, aliás outra coisa não seria de esperar, dizendo :
- Calma lá camarada, isso do poder dever ser sempre descentralizado é tudo muito bonito, excepto numa condição, que é a de sermos nós a ocupar o poder central, e nessas circunstâncias , tenha lá paciência, mas o caso muda de figura e o poder terá que ser centralizado !
O Cabós encandalizadíssimo com o cinismo do argumento ripostou :
- Não camaradas, tenho muita pena, mas em coerência com os princípios democráticos da Revolução de Abril, o poder deve ser sempre, mas sempre, descentralizado !
Os homens do aparelho perante o efeito de simpatia que os argumentos firmes e a inflamada convicção do António estavam a causar nos camaradas menos politizados e por isso, mais ingénuos, lançaram os ataques radicais do costume, que o que era preciso era "unidade" e coisas deste género, aliás o PCP era exímio nesta "arte", quando a conversa não lhes estava a correr de feição, interrompiam os debates aos gritos de "unidade, unidade", desde que a "unidade" fosse nos seus termos, claro está !
O Cabós decidiu-se então por uma cartada sumptuosa e exclamou com a sua conhecida e costumada veemência :
- Os camaradas são marxistas, não é verdade ? Mas parecem-me profundamente ignorantes da teoria marxista, pois conforme afirma Marx na sua doutrina da "transmutação dialéctica do materialismo", sem margem para quaisquer dúvidas, o poder deve ser sempre, mas sempre, descentralizado!!!
Foi de facto uma cartada de meste, pois na verdade, eram profundamente ignorantes teoricamente e nem sequer foram capazes de objectar e denunciar a pura e simples inexistência e total incongruência de tal mistura entre a alquimia e o materialismo, tartamudearam, praguejaram e acabaram por fazer como de costume, apresentaram um requerimento para que se passasse imediatamente à votação, pressionaram os "ingénuos" a votar no que os dirigentes indicaram e usaram a esmagadora maioria que tinham naquela "coligação" para reafirmar o velho lema que "contra factos não há argumentos", por muito bons e justos que possam ser !
Eu é que tive que ter muito cuidado para não me denunciar pelo riso, pois o único elemento da plateia que tinha conhecimento da minha presença era precisamente o "sócio minoritário", António Cabós Gonçalves, que daquela vez não conseguiu levar a sua avante, talvez porque os "camaradas", nunca lá tinham lido ( no Avante) tal coisa !!!

Um comentário:

António Cabós Gonçalves disse...

Olá António

Vim à procura deste post, para ver se fazia sentido linká-lo para a minha última loucura, para a qual, obviamente, estás convidado.

Tudo começou no Facebook, onde tu não estás. Vê lá: http://www.facebook.com/#!/group.php?gid=118397824864806&ref=ts

Agora já está no blogger, em

clube22denovembro.blogspot.com

Está a ser um êxito...

E espero-vos, no dia 12, para os Santos Populares!

Um abraço