Faz agora trinta e cinco anos, fui acordado de madrugada numa quinta-feira de chuvisco, pelo meu pai que me dizia excitado:
“- Acorda Tó Zé, estamos tramados filho, é um golpe de Estado e é o Kaúlza!”
Eu ouvindo a rádio tranquilizei-o:
“ – Não é, não Pai, se fosse o Kaúlza a “música” seria outra!”
Obviamente, se fosse um golpe da extrema-direita do regime, na rádio não passariam Zeca Afonso, José Mário Branco ou Sérgio Godinho, e imediatamente rejubilámos, nos abraçámos, beijámos e fomos acordar a minha mãe e o meu irmão.
Os dias que se seguiram foram de indescritível alegria e entusiasmo e eu tive a percepção clara que a História me estava a bater à porta.
Há um provérbio chinês que enuncia, mais ou menos, isto:
“Deus nos livre dos tempos interessantes”!
Eu que não sou muito dado a “chinesices”, entendo-o, reflecte uma mentalidade diferente, uma outra forma de encarar o tempo, uma consciência a-histórica.
A nossa tradição ocidental deu-nos outra herança; inscrita na nossa matriz civilizacional está uma concepção do tempo como instância de realização, como espaço de discursividade com um nexo de causalidade inerente.
A nossa cultura valoriza a historicidade e cada um de nós é capaz de ter a intuição, a exaltante percepção do reconhecimento da História a acontecer, enquanto acontece.
O 25 de Abril de 74 foi um desses raros momentos de “once in a life time”, em que por uma vez na nossa curta vida de indivíduos, sentimos que algo de grandioso estava a acontecer.
Sentimos a “adrenalina” do momento na sua intensa dramaticidade.
A minha geração teve esse raro privilégio, o de ter participado na História “ao vivo”.
O 25 de Abril de 74 foi, sem quaisquer dúvidas e sem megalomanias, pelas suas consequências, um decisivo marco na História de Portugal, da Europa e do Mundo que aconteceu no tempo das nossas vidas e nos tempos que se constituíram como os “melhores das nossas vidas”!
Se bem que hoje e já há umas duas décadas, haja no Ocidente uma forma de pensar débil e falaciosamente “emoliente” que, para caucionar uma acção “soporífera” de negacionismo e artifício pretensamente “apolítico” (como se tal fosse possível), decretou, entre outras coisas, a “morte das ideologias” (das outras claro!), o “Fim da História” e o reinado do “Último Homem”.
Pretextando, a princípio, a crítica do determinismo historicista, que aliás, já tinha sido empreendida muito antes e com superior mestria e escudando-se em pensadores liberais sérios como Popper, logo passou à fase seguinte, a de tentar negar a própria noção de historicidade apontando para o “Fim das Grandes Narrativas” como instância decisiva do alegado “Fim da História”.
“História” cujo último acto teria sido a “Queda do Muro” e o desabar do “socialismo real”; teria agora chegado o tempo da linearidade entediante capitalismo neo-liberal e da “democracia” (pouco) representativa à escala global, com a planetarização dos negócios suportada na Globalização tornada possível pelas novas tecnologias e pelo abatimento de barreiras comerciais, o paraíso do “Free Trade” nesta espécie de “Admirável Mundo Novo” onde nada mais de substancial ocorreria e o “Último Homem” passaria a reinar.
Mas a História não se compadece de oportunismos de circunstância mesmo quando mascarados com as imbecilidades da contrafacção intelectual de conceitos de timbre hegeliano, como o de “Fim da História” ou nietzscheano, como o de “Último Homem”, que à força de ser propalada pelos “media” dominados pelo Sistema do capital triunfante e muito na esteira do aforismo de Goebbels de que “uma mentira muitas vezes repetida, ascende à categoria de verdade”, passou a fazer figura de argumento sério. Mas a História, como era de esperar, continuou tragicamente com o 11 de Setembro de 2001 e tudo o que desde aí decorreu e decorrerá.
Se é verdade que a premissa do “Fim da História" se veio a revelar como um daqueles embustes para “adormecer meninos” do tipo “história da carochinha”, não é menos verdade que pelo menos transitoriamente, como tudo na vida e na própria História, está instalado o reino do “Último Homem” que é um “doente da vontade”; é o “homem” que “quer” muito pouco, quer, legitimamente, que o deixem em “paz”, quer dormir em “paz”, consumir em "paz", imbecilizar-se em ”paz” e em “paz” fazer de conta que é verdade, que a história acabou. Aliás, nem interessa muito o que é isso de ser “verdade” desde que continue a “dar” na televisão e noutros substitutos virtuais do mundo, que entretanto continua a ser terrivelmente real.
Como escreveu Pessoa há mais de setenta anos:
“- Come chocolates pequena, come chocolates”! (“Pipocas” também serve!)
Ora, nem sequer é preciso ser “tremendista” como o autor do “Zaratustra”, para saber que o reino do “Último Homem”, onde ele não é senhor, mas escravo, chegará por efeito desta ou de outra qualquer “crise”, ao fim.
Não houve Império que para sempre tivesse durado e todos caíram, o Persa, o de Alexandre, o Romano, o Português, o Castelhano, o Britânico, o Russo; porque não haveria de tombar o Americano?!.
Por isso, me orgulho da invulgar oportunidade de ter vivido por dentro a História no seu próprio devir, de ter sobrevivido para o contar e para poder negar aos charlatães do “post-modernismo” a última palavra!!!
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