quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A Queda de um Anjo


Corre hoje e até às 20 horas de Roma, o último dia do pontificado de Bento XVI. Joseph Ratzinger vai voltar a ser, não o que era antes de 19 de Abril de 2005 mas, algo que desde 1415 nunca mais houvera, um Papa renunciante e parece que Papa Emérito (numa novidade titular absoluta). Para este gesto insólito, a resignação, o Papa alega "cansaço". É crível que assim seja, de facto um homem com oitenta e cinco anos deve sentir-se "cansado", mais ainda cansado de toda a envolvente do cargo.
Joseph Ratzinger quando foi entronizado na cadeira de Pedro, que nesse tempo não deve ter passado de um modesto escabelo, sabia, até por ser um homem de "dentro",  ocupava as funções de  Superior da Congregação para a Doutrina da Fé, o que o esperava. Não era nenhum eremita como um dos seus poucos predecessores na renúncia, Celestino V (1215 - 1296), qual personagem camiliano da "Queda de um Anjo", fosse surpreendido pela promiscua perversidade da Cúria Romana de si por demais conhecida. Talvez não tenha avaliado bem a sua capacidade de lidar com a dimensão do "problema", uma coisa é a teoria, o conhecimento indirecto, outra a situação no concreto. Ratzinger cansou-se do estado demasiado humano do Estado que se reclama representar o divino, cansou-se da baixa política, da  constante intriga palaciana, da permanente guerra de facções, das fugas de informação e roubos de documentos que as punham ainda mais a nu, dos escândalos financeiros, dos escândalos sexuais internos (desde a histórica pedofilia, típica dos  ambientes concentracionários, até ao poder do "lobby gay" numa instituição - a Igreja Católica - em que nestas matérias é formalmente interdito o "uso", quanto mais o "abuso"). O teólogo de uma ampla clarividência intelectual, cultíssimo e de grande afabilidade que escreveu dos mais belos textos sobre a Eucaristia:
"Se o pão é o símbolo do que o homem precisa, por seu lado o vinho é o símbolo da superabundância da qual também temos necessidade. Ele é sinal da alegria, da transfiguração da criação. Tira-nos da tristeza e do cansaço do dia-a-dia e faz do estar juntos uma festa. Alegra os sentidos e a alma, solta a língua e abre o coração; e transpõe as barreiras que limitam a nossa existência".
Ferido nos seus sentidos ético e estético, por uma realidade em que a Graça poucas vezes está presente e a vaidade (do latim vanitas, de vanus = vazio) e a vã cobiça demasiadas, acabou por não querer resistir. Fartou-se e vai passar o resto dos seus dias com a Esperança de ter apenas um Único e Absoluto interlocutor.
Assim como assim, o homem continua a ser o único animal capaz de distinguir a água benta da água vulgar, o que nem sempre basta para deixar de cair na tentação de navegar em águas turvas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Tartaranha (ou "A Ilha do Dr. Moreau")







"Anda para ali a tartaranhar" - era uma expressão que a minha avó costumava utilizar sobre quem andava às voltas ou se punha com rodeios. É precisamente isso que o poder político instalado anda a fazer, a andar às voltas, argumentando, se assim se pode dizer, em círculo num diz que sim, mas faz que não.
Alguma oposição benévola vê nisso inépcia ou mesmo estupidez. Lamento, mas não partilho desse optimismo antropológico. Infelizmente não se trata de "burrice", trata-se de, como tempo é dinheiro, encanar a perna à rã para aproveitar a oportunidade de fazer a sua parte na tão almejada desforra histórica do capitalismo na sua pior e mais rapace versão. É o "take the money and run" do maior assalto de todos os tempos: a chamada "reconfiguração" da sociedade ocidental através da pauperização dos povos pela destruição das "classes médias" e o desenho de uma espécie de Terceiro Mundo global, em que só haverá muito ricos e pobres de vários, mas poucos, matizes.
É preciso sacar o mais possível, o mais rapidamente que se puder. O capitalismo esteve em risco no início da crise, aí por 2008, mas as notícias da sua morte foram, uma vez mais, um pouco exageradas. A vitória na "Guerra Fria" sempre terá servido para alguma coisa e não havendo já alternativa real, faltou a oposição no concreto, cuja queda, recente em termos históricos, tinha também provocado, por descrédito, uma espécie de naufrágio ideológico. Por isso e pela algo paradoxal situação de, no auge da crise, faltar pensamento crítico como "cimento"  intelectual a que se junta a terrível eficácia dos mecanismos de sedução mediática (afinal quem compra o automóvel, não compra a "top model"que a publicidade põe lá dentro, mas que saliva, lá isso saliva)  enquanto  fautores de ilusão e de alienação universal.  É o agora ou nunca para o capitalismo selvagem e a tergiversação faz parte da estratégia. 
Não, o "governo de Portugal" não é peco na "resposta" à crise, o "governo de Portugal" fomenta a crise segundo o guião que lhe deram para decorar e desse guião fazem parte o empobrecimento deliberado, o desemprego e a precarização das relações laborais; faz parte o "ajustamento" forçado sem pôr em causa, antes pelo contrário, os verdadeiros privilégios rentistas das grandes negociatas e dos abutres; faz parte o incitamento ao ódio social contra sectores tomados com "bodes expiatórios" para desviar a atenção dos verdadeiros beneficiários do regime, na velha e relha prática do "dividir para reinar". Faz parte o nivelamento por baixo e o apontar dos direitos como "regalias";   faz parte a desvalorização do trabalho e do seu valor simbólico e económico; faz parte o estado sensacionalista  de "novidade" contínua em que são "abolidas" as razões e os nexos de causalidade para que se possa fazer o mesmo à "Razão" que era aceite conduzir a "História"; faz parte atacar o "Estado", mas não  aclarar o "estado" a que isto chegou e nunca elucidar por que será que os que tanto o maldizem se apegam a ele como lapas e o sugam como vampiros.
Não meus caros, estes rapazes não são nabos, estão apenas a "tartaranhar" e a cumprir a encomenda de fazer das nossas vidas uma espécie de "Ilha do Dr. Moreau", ou seja um parque de experimentação biopolítica em que o destino das cobaias não deverá, se assim o deixarmos, ser muito diferente do do cavalo do inglês.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Ética Protestante e o Espírito do Canibalismo




Fala-se da Alemanha como uma nação de gente de trabalho, metódica  e de vontade férrea, obstinada mesmo, indo até ao "excesso" de seriedade e determinação, que não mistura "serviço com conhaque" (também no estado em que ficam, seria impossível). Acontece que essa imagem de marca, por assim dizer, anda a sair chamuscada com a profusão de casos de plágio académico em que se têm visto envolvidos ministros do governo da chanceler Merkel. Primeiro foi o ministro da Defesa, Karl-Theodor zu Guttenberg, que, em letra de forma para honrar os pergaminhos da linhagem, foi apanhado com a boca na botija; agora foi Annette Schavan, ministra da Educação (no melhor pano cai a nódoa, deve ser do "sistema dual"), que viu ser-lhe retirado o título de Doutora pelo mesmo motivo, plágio da tese.
É certo que entre a  Alemanha de Merkel, zu Guttenberg  e Schavan, e o Portugal de Passos e Relvas há, ainda assim, significativas diferenças quer na substância, quer no método. Enquanto por cá as vigarices se ficam pelas licenciaturas e alguns MBAs, por lá fiam mais fino, estão ao nível do doutoramento.  Também por cá o método escolhido pelos perpetradores é mais "meridional", mais calaceiro. Para obter uma equivalência basta, e quando, uma singela folha de requerimento (e agora com a "desburocratização" nem sequer tem que ser em papel selado), umas palmadinhas nas costas e, vá lá, um ou outro jantarito; já para os doutoramentos na Alemanha exige-se uma metodologia muito mais trabalhosa, onde se revela o verdadeiro afinco "workaholic" (afinal "Arbeit Macht Frei") que caracteriza a raça teutónica, são centenas de páginas de copy paste.
Com a breca, até a ética protestante parece estar a dar de si...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Tiro No Pé - Uma Especialidade Socialista


Em linguagem futebolística costuma dizer-se que "em equipa que ganha não se mexe", mas o Partido Socialista parece, e de forma reiterada, mais apostado em marcar autogolos. Assim se podem explicar certas barafundas para a designação de candidatos a câmaras municipais em que a ambição espúria de uns quantos arrisca a fazer deitar fora o menino com a água do banho. Parece ser o caso em Matosinhos e em Alcácer do Sal, com mais umas quantas confusões pelo meio, Presidentes de Câmara eleitos e reeleitos, sem pendências de "confiança política", estão a ver as suas candidaturas preteridas por outras, "cozinhadas" pelas tais concelhias dos ditos "sindicatos de voto", que se constituem como autênticos "saltos no escuro" eleitorais, trocando o "certo" da mais do que presumível vitória por riscos absolutamente desnecessários de, e passe a expressão, "entregar o ouro ao bandido" e que, ainda por cima, se irão correr por meras questões de "protagonismo" (demais a mais podendo os que se sentem injustiçados concorrer como independentes, dividindo os votos do mesmo campo). O que levará esta gente a tais asneiras? Não me venham com os velhos e relhos argumentos da "democracia" e da "pluralidade" interna. Afinal se o eleitorado elegeu e reelegeu esses autarcas, o que estará assim tão mal? Onde estará a desconformidade? Um Partido democrático e plural não tem que ser uma balbúrdia ou um saco de lacraus e o vale tudo não pode ser alternativa contra o que o bom senso aconselharia - a manutenção de candidaturas ganhadoras.
Neste cenário acrescem ainda as cautelas, que como os caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, que a direcção do Partido terá de tomar para que a "retumbante vitória" a que, pelos vistos, está "obrigada" pela voz nada inocente de um coro cada vez mais frenético de opinion makers, nas Autárquicas aconteça mesmo. Se tal não ocorrer, pode bem ser o fim da liderança de Seguro. Parece-me que para sua própria salvaguarda e como não foi nem da sua boca, nem da de qualquer outro elemento com quem compartilha responsabilidades, que vieram tais prognósticos (nestas coisas só certeiros depois do jogo) deveria refrear os ânimos e pôr, de forma inequívoca, um pouco de água nessa fervura.  Até para evitar pretextos conducentes a que, com Costa ou sem Costa, se intente então o que ora falhou.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Da Ucronia à Distopia






A vida, em concreto, começa (e hoje faltam os valentes ou sequer os "valentões", que se gabavam de "viver perigosamente"), a assemelhar-se à da era pré-hobbesiana  ("solitária, pobre, sórdida, brutal e curta") ou demasiado longa para a dignidade que deveria  implicar (que nisto, meus caros, há muitas maneiras de "cozinhar bacalhau"). 
Querem um pequeno exemplo: experimentem chamar a polícia ao encontrarem o vosso carro, legalissimamente estacionado, trancado por um qualquer abusador e verão que o cidadão, pagador de impostos, está perfeitamente entregue a si próprio. Daqui à lei de talião ("olho por olho, dente por dente") vai um passo muito curto.
A própria noção de tempo, numa nação sempre mais propensa para celebrar memórias implantadas do que vidas vividas, está a ficar restrita à dimensão que comungamos com os (outros) animais: o "eterno" presente. 
De facto, o mundo é "inaugurado" todos os dias, não apenas como se não houvesse amanhã (que bem pode não haver), mas como se não tivesse havido ontem (que houve de certeza).

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A Composição Retrospectiva da "Verdade"


Dantes, certos regimes de pendor totalitário retocavam o passado através da manipulação da imagem e costumavam apagar das fotografias de "culto" os elementos entretanto dissidentes (que passavam rapidamente e quando apanhados, à categoria de mortos) ou caídos em desgraça. Hoje, essa manipulação do passado faz-se através da "composição retrospectiva da verdade" juntando, a partir do presente, novos "factos" ao passado. Assim, nesta trapalhada do recém-empossado Secretário de Estado da Inovação (que neste capítulo, e suponho que nos outros, nada de novo irá trazer) até ao último domingo o homem teria passado pela SLN/BPN, como um perfeito "ceguinho", discretamente e sem ter visto nada, essa passagem foi até omitida no currículo oficial entretanto, como é da praxe, divulgado (o que deixa fora de combate o argumento, sobejamente utilizado, que "quem não deve não teme" e em que, para cúmulo da inépcia falsificadora, lhe é atribuído o estatuto de colaborador da Ernst & Young em idade muito precoce e numa altura em que a firma ainda nem sequer existia) ; no início desta semana, já teria dito alguma coisa, mas em surdina, para não causar "alarme" (numa espécie de: "Vês aquele fumo negro a sair de baixo da porta? É um incêndio que vai "derreter" isto tudo. Mas não digas nada a ninguém, não sejas "alarmista"!"); hoje parece que, afinal, já terá escrito duas cartas ao Banco de Portugal, que até terão sido fundamentais para o acordar de uma espécie de "sono" instalado e permitido descobrir a marosca (que entretanto já vinha nos jornais todos, a começar pelos da "especialidade").
Está-se mesmo a ver que no próximo dia 10 de Junho, vamos ter medalha!!!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Busto de Napoleão




As "rescisões amigáveis" na Função Pública, assim ao jeito dos "voluntários" na tropa,  fazem-me lembrar a, em tempos famosa, anedota do "busto de Napoleão":
- Olhe chefe, um busto de Napoleão!?
- Qual busto de Napoleão, nem meio busto de Napoleão, você quer é uma rescisão amigável!

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Os Ceguinhos



O caso da nomeação para Secretário de Estado da Inovação do dr. Franquelim Alves, um "velho" quadro dos negócios financeiros (ex-administrador da SLN, detentora do BPN), vem provar que não há nada para "inovar", é tudo muito dejà vu e de duas, uma (também podem ser as duas, que nisto dos cúmulos parece não haver limite): ou o Governo está a criar uma manobra de diversão, através de mais um fait divers, com o acinte provocatório de quem anda mesmo a "pedir chuva"; ou a estratégia é a do "empararem-se" uns aos outros e provar na prática que "os amigos são para as ocasiões", não vá haver mais "bocas no trombone".
Para o comum dos mortais é um mistério insondável que um homem habituado a um muito alto nível remuneratório, venha agora, como Secretário de Estado, vencer uns "míseros" cinco mil euros (estou a falar de alguém do métier, não de algum arrivista, oriundo das "jotas" ou da "pelintrice"). Só pode mesmo ser por pura e absolutamente desinteressada abnegação patriótica e por um elevado sentido de serviço público.
Que o homem tenha vindo de onde veio e passado, discreta e silenciosamente, por onde passou não me espanta. Afinal estamos num País de "ceguinhos" onde, como é consabido, é muitíssimo difícil arranjar testemunhas, porque nunca ninguém "viu" nada. 
Perante esta situação de desaforo cívico ocorrem-me vários aforismos, que por cá são muitas vezes invocados em termos retóricos, mas muitíssimas mais ignorados em termos pragmáticos:
"Tão ladrão é o que vai à vinha, como o que fica de atalaia".
"Os pecados podem ocorrer por acção ou por omissão".
"Em política, o que parece é".
"À mulher de César não basta ser séria...".
O cavalheiro nem é arguido no processo ou sequer suspeito, é apenas "distraído" e não viu nada; ou se viu, como é uma pessoa educada, não quis dizer.  
No fim de contas, que para nós, contribuintes portugueses, ainda está longe, o maior "ceguinho" foi o então Governador do Banco de Portugal, dr. Constâncio, que também nada viu e até foi recompensado com um "chuto para cima" - o cargo de Vice-presidente (justamente com o pelouro da supervisão bancária) do Banco Central Europeu, provando que a "miopia" (apesar de todos os alertas) não é apanágio da "direita dos interesses", mas tão só dos próprios interesses.
Ditosa Pátria que tais filhos tem...

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

"Por Qué No Te Callas ?!"


O dr. Fernando Ulrich voltou à carga como samurai das cavalidades e à semelhança de um ministro japonês, mostrou-se contumaz no desaforo. Depois do "Ai aguenta, aguenta" de há uns meses, a sua espartana sensibilidade social aliada a um profundo esprit de finesse, levou-o a reincidir no diagnóstico e a carregar na analogia. Desta vez "Se os sem-abrigo aguentam, por que é que nós não havemos de aguentar". Claro que este "nós" é mero recurso estilístico. Ele sabe perfeitamente que o desvelo que os actuais detentores do poder político  devotam aos banqueiros torna essa já longínqua possibilidade, apenas num tropo retórico. Afinal every goood boy deserves favour e até a boçalidade social mais cavilosa, típica da burguesia burgessa de que o dr. Ulrich é um espécimen perfeitoacaba por provar que, no presente contexto, nem toda a nudez, rude e afrontosa, deste tipo de linguagem será, como mereceria, castigada.
Repare-se que o"paradigma", neste caso o mote da ameaça implícita, já não são "os pobres que as medidas de austeridade têm deixado intocados" mas os "sem-abrigo", num estado de coisas em que, quase instantaneamente, qualquer um se pode tornar num qualquer. Conviria esclarecer, mesmo perante a infrene verborreia de solípedes deste jaez, que os sem-abrigo não nasceram enquanto tal. Tornaram-se nessa condição por este ou aquele conjunto de motivos, as mais das vezes por obra dessas beneméritas instituições (os Bancos) tituladas por personalidades da envergadura do dr. Ulrich  e sustentadas pelo dinheiro esbulhado não apenas a quem  a eles recorre, mas também a quem paga impostos, dando razão à velha consigna segundo a qual o capitalismo acaba sempre por ser "socialista" quando toca aos prejuízos.
Quo usque tandem abutere, patientia nostra?
Por qué no te callas ?