terça-feira, 4 de maio de 2010

O Boomerang Ferroviário


Século e meio depois de os britânicos terem instalado a via férrea em Portugal (até se diz que, como no caso das estradas, deviam estar bêbedos, tal o resultado da "obra") dá-se o boomerang neste domínio e é a poderosa CP, agora com vocação global, que se prepara para, em consórcio com a Renfe (outra luminária do ramo, ou melhor, do "ramal") e uma empresa local, a National Express Group, explorar duas linhas em Inglaterra a partir de Londres: A Essex Thameside (Londres - Shoeburyness) e a Greater Anglia (Londres - Norfolk).
Poderá, assim, o público do Reino Unido, não digo os ingleses, porque parece que o último avistamento de um, na região de Londres, data do dia 15 de Maio de 1967, ter oportunidade de saborear as qualidades únicas do transporte ferroviário à portuguesa e favorecer deste modo o diálogo intercultural luso-britânico, sem ser no "Allgarve" e sem ter que recorrer à mão (digamos assim - não só, mas também) de obra especializada de experts como o Zezé Camarinha.
A este propósito posso contar uma experiência pessoal ocorrida há já uns aninhos, quando a Linha do Sul ainda tinha o seu términus no Barreiro. Gosto imenso de viajar de comboio, penso que é o melhor meio de transporte que existe e por isso, durante muitos anos, utilizei-o para as minhas férias de Verão na lindíssima cidade de Lagos. Uma vez, ao regressar de férias, comprei passagem em primeira classe num daqueles compartimentos com os bancos estofados a veludo, com aquele ar rétro muito século XIX e também já muito fanée, vinha sozinho no compartimento e à janela, entretido com as vistas e com o "Expresso", quando em Tunes, se não me engano, entra uma senhora de aspecto modesto na casa dos sessenta, com um miúdo, que devia ser seu neto, para aí com uns seis anos, ranhoso e se sentam no banco oposto, a mulher trazia um grande cabaz que depositou no chão aos pés. Eu vi que não era pessoal com ar de viajar de primeira, mas como não sou "polícia", nem fiscal, não liguei até que a mulher abriu o cabaz e tirou de lá um grande tacho de alumínio que continha, nem mais, nem menos, do que arroz de tomate, a que juntou uns enormes carapaus fritos (chicharros) e um grande pão alentejano de que cortou grossas fatias com uma grande faca de cozinha, isto tudo tendo posto antes rodilhas no seu colo e no do puto, dando início ao repasto, que pelas horas que eram, devia ser o jantar. Entretanto iam deitando as espinhas de peixe, metódica e eficazmente, para o chão, depois de comerem alambazadamente. Mas o melhor ainda estava para vir, quando a senhora, para a sobremesa, tirou do fundo do cabaz um gigantesco melão de que, com a tal faca, cortou enormes talhadas, não sem ter tido o prévio cuidado de limpar o melão de pevides e "tripas" igualmente para o chão, alcatifado diga-se de passagem, que já começava a acagular de lixo orgânico.
Imaginam o meu estado de espírito entre o gozo e o pânico, tentando disfarçar ambos, protegendo-me com o jornal. Aliás a senhora até foi simpática e perguntou-me muito lusitanamente se "era servido", o que eu declinei educadamente e quase a vomitar, só de ver aquela javardice toda e cada vez mais encolhido (down on the corner).
Nisto, chegámos presumo que à Funcheira e, alvíssaras, entra o revisor, que abre a porta de correr do compartimento e, acto contínuo, olha para mim exclamando "O que é istoooo"?! - (a senhora e o míudo estavam fora do seu ângulo imediato de visão), eu não me contive e gritei: "Está a olhar para mim"?!
Só então o homem percebeu o que se tinha passado e rosnou furiosamente para a mulherzita de modo a que até o puto se encolheu: "Mostre lá o seu bilhete"! - a mulher assustada mostrou-lho e ele continuou aos gritos (justificados, diga-se de passagem) - "A senhora não pode ir aqui. Olhem para isto, olhem só para isto"!!!
Ora, se no Reino Unido têm o célebre fish and chips, por que razão não poderão consumi-lo a bordo de comboios da CP, onde a tradição é já longa?
Aliás, é a própria empresa que o afirma quando fundamenta a sua opção pelo mercado britânico alegando possuir "uma vasta experiência com elevados níveis de segurança, eficiência e comodidade".
É verdade sim senhor, eu sou testemunha!

2 comentários:

PS disse...

É verdade sim senhor. Também eu passei semelhante tomenta. Por isso me solidarizo. No meu caso, não foi em primeira mas sim em funesta viagem para Santiago do Cácem. De "automotora". Lembras-te Tó Zé? A sensação é igual a viajar numa "Bimbi". Sem espaço para os pés e tremideira de lembrar os testes dos astronautas. Mas lá fui. Agurdavam-me as férias os Cavacos estavam em fuga de Pinheiro da Cruz e tal...

imank disse...

Belos tempos amigo!
Éramos novos e "ninguém" tinha morrido!
Um Abraço.