"No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade."
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, II
Durão Barroso veio, mais uma vez, ao bolsar pressões explícitas sobre o Tribunal Constitucional Português (é curioso como ninguém se lembra de o fazer sobre o alemão, por exemplo) para além de demonstrar o enorme servilismo que lhe deu o lugar que (ainda) ocupa, ameaçar que o "caldo estará entornado".
Ora esta persistente situação de chantagem por parte da direita paroquial e dos "decisores europeus" traz à colação a luta entre a dignidade que a Constituição da República Portuguesa assume para Portugal como Nação Soberana e os que representam as continuadas diligências em que vale tudo, na incessante tentativa da sua derrogação fáctica, já que têm falhado as de "profunda revisão constitucional" para a desfigurar.
Sendo certo que, como avisou o "pragmático" Passos, o texto constitucional não dá emprego e por extensão de comer a ninguém, não é menos verdade que em estados de direito as leis e demais a mais a lei fundamental, são de mister a servir para alguma coisa. Por isso mesmo já o velho Heráclito de Éfeso (não, não estou a imitar Socrate le Jeune) avisa que devemos bater-nos por elas como pelas muralhas da cidade.
O "caldo entornado" de José Manuel (forget about the Durão) Barroso é mais um lembrete de que "quem não tem dinheiro não tem vícios", nem se pode dar ao luxo de ter leis ou democracias. Vindo de quem vem não é de estranhar, nem sequer é original destas horas amargas, que o direitismo mais oportunista e socialmente reacionário venha dos ex-esquerdistas convertidos ao radicalismo de sinal oposto. Barroso foi, nos anos 70, um assanhado militante da "linha vermelha" do MRPP de ideologia Mao/LinPiaoísta, que se inspirava no Bando dos Quatro e na hecatombe humana que foi a chamada Revolução Cultural Chinesa. Linha que também inspirou os khmeres vermelhos e a "obra" que fizeram no Cambodja.
É claro que Durão Barroso arrepiou caminho e assumiu um verniz mais "civilizado", mas não nos iludamos, o bichinho ficou lá.
Este é, aliás, um fenómeno recorrente na Crise que mediou entre as duas Grandes Guerras do séc. XX. Aconteceu algo de semelhante a ambiciosos arrivistas que da "esquerda", muitas vezes mais extrema, passaram à direita radical. Sem querer estar a engrandecer o "camarada" Zé Manel, foi o caso de Mussolini e de uma vasta gama de colaboracionistas franceses.
Esses acabaram mal. Por enquanto quem está a passar mal são as massas de cidadãos que em nada contribuíram para esta sangria e sobre quem os arrivistas e colaboracionistas do presente ameaçam "entornar o caldo".
Lembremo-nos de que a Constituição foi forjada num processo de recuperação da nossa dignidade colectiva enquanto Povo e Nação e isso exclui qualquer preço, demais a mais, sem indícios de "tabelamento" garantido.
Desta vez não sigamos o cherne!!!