No que se pode considerar uma sentença muitíssimo controversa, o Tribunal da cidade italiana de Áquila condenou a penas de prisão os membros de uma "Comissão de Altos Riscos", entidade constituída por prestigiados cientistas (sismólogos e vulcanólogos) e membros da Protecção Civil não, como se tem dito e escrito, por "terem falhado" as previsões após os primeiros sinais do sismo de 2009 que acabou por vitimar de morte mais de trezentas pessoas, mas por terem minimizado o problema e divulgado um comunicado oficial "tranquilizador" que instou os habitantes da região a permanecer em suas casas, o que lhes veio a ser fatal.
Ora são coisas muito distintas, uma coisa é o "erro" científico, outra, muito diferente, o comunicado "político" que arriscadamente cientistas-funcionários acabaram por protagonizar. Demais a mais numa área, como a sismologia, em que a previsibilidade é muito diminuta.
Visa este texto contribuir para o debate acerca da eventual responsabilização judicial de decisores políticos e administrativos cujas acções e omissões se venham a verificar gravemente lesivas do interesse público ou mesmo catastróficas. Pode perguntar-se se essa responsabilização não será susceptível de determinar um judicialização "inquisitorial" da democracia que poderá degenerar numa autêntica "caça às bruxas"?
Tudo dependerá do que estiver em causa, da justeza procedimental e dos factos que forem apurados. Entendo que a "irresponsabilidade" jurídica dos actos políticos não pode verificar-se a qualquer custo e que a mera cessação dos mandatos não poderá nunca fazer prescrever as responsabilidades efectivas e não apenas no chamado "julgamento político" que alguns julgadores em causa própria pretendem restringir aos actos eleitorais que "penalizariam" de modo "suficiente", com o simples afastamento, os maus decisores. Tal não me parece de todo justificável sempre que, como agora está sobejamente à vista, as consequências nefastas dessas decisões na área da segurança face a fenómenos naturais (os famosos "Actos de Deus" da jurisprudência anglo-saxónica), mas também na económico-financeira, social , previdencial, educativa, etc. sejam de tal monta e perdurem por períodos que excedam largamente os putativamente mitigados por essa simples "revogação" de mandato ou abandono de cargo.
Escolhi para título desta crónica "O Cume de Dante" ("Dante's Peak") - nome de um filme americano de 1997, de Roger Donaldson, com Pierce Brosnan e Linda Hamilton, cujo enredo gira em torno do conflito ético entre um vulcanologista (Brosnan) e uma "mayor" honesta (Hamilton) - também os há, pelo menos nos filmes - e os interesses "empresariais" (turísticos e comerciais) das forças vivas de uma cidade-estância de desportos de Inverno perante os primeiros sinais de alarme de uma erupção vulcânica. Ora, o cotejo com a situação dos Abruzzos não poderia ser mais certeira, ainda por cima Dante, ele mesmo - o da "Divina Comédia" - era italiano.
De todas as tomadas de posição publicadas na nossa imprensa que vi e li, a que mais me chamou a atenção foi a do deputado Francisco Assis, homem inteligente e excelente de pluma, na sua página semanal do "Público", numa espécie de assomo vitalista de que me permito discordar quando conclui ser esta sentença "populista" e espelhar a aversão da velha e comodista Europa ao "risco" e à "iniciativa", atitude que, a persistir, que se traduzirá pela inevitabilidade da decadência económica e pela inexorabilidade do empobrecimento.
Tenho para mim que muito mais grave do que o eventual populismo desta sentença foi a decisão da social-democracia europeia de mimetizar o modelo norte-americano (mas não em tudo), ainda que na versão do Partido Democrata e do seu "mate" (noutras "eras" dizia-se "compagnon de route") e "cavalo de Tróia", o New Labour de Blair no abandono da matriz socialista tradicional e na adesão ao social-neo-liberalismo da "Terceira Via", essa sim uma decisão catastrófica para a Esquerda e para os povos da Europa. Muitíssimo pior do que considerar apenas digno de deputados, mesmo os que pelos vistos esconjuram os "excessos de proteccionismo" do "Estado-Providência" desde que lhes continue a providenciar (nunca se questionando porque será que nada disso acontece no Reino Unido, quanto mais na Suécia, e que o Quénia, por exemplo, tenha dos deputados mais bem pagos e com mais mordomias do mundo) não terem que se deslocar em algo tão "pindérico" como um simples "Clio".