segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os Professores Portugueses Lutam (Literalmente) Pela Vida




Não foi, enquanto cidadão, professor e pai, de ânimo leve que me decidi por fazer hoje greve ao serviço de vigilância aos exames nacionais para que estava convocado. Foi mesmo com mágoa que o fiz, foi de coração pesado, porque sei o que está em causa para os alunos e suas famílias. Não é o mesmo fazer um exame hoje ou noutro dia qualquer e não dá tranquilidade a ninguém saber se o vamos fazer ou não. Mas o que está em causa é muito, a parada está a um nível muito alto, e quem perder esta oportunidade arrisca-se a perder tudo, até a vida.
A anti-política da quadrilha, a troika mais o (des)governo de Portugal (subserviente e não, com certeza, português), está a destruir, não apenas a escola pública, mas a res publica ou seja,  de uma só penada, toda a evolução social conseguida por dois séculos de sangue, suor e lágrimas, ameaçada de sucumbir pela investida global do "lumpencapitalismo". Pelo capitalismo que já nem é sequer de "casino", é antes de "roleta russa". Totalmente improdutivo, vive da mega-agiotagem, da usura desbragada, do total amoralismo e do completo desprezo pelo destino das pessoas, na adoração do bezerro de oiro que exige sempre mais e mais vítimas para um holocausto infrene. Chama "economia" ao saque e ao esbulho financistas, chama "equilíbrio" à rapinagem. Aposta no dividir para reinar, fazendo os seus agentes lembrar Tulius Detritus, o homenzinho verde dos álbuns do Astérix que atirado aos leões no circo romano, conseguia pô-los a comerem-se uns aos outros.
Os professores portugueses estão com esta greve a lutar pela vida, pela dignidade da Escola Pública, pelos direitos dos seus alunos, que acompanham e acarinham como ninguém. Os professores portugueses, muitos com três e quatro décadas de profissão e a quem, através de barreiras administrativas, regras mudadas a meio do jogo e penalizações pecuniárias exorbitantes, não deixam aposentar,  barrando na prática e para além de todas as retóricas divisionistas,  a entrada de sangue novo no sistema, já andaram de terra em terra, dormindo em quartos alugados, comendo meias doses, separando-se do cônjuge e dos filhos, levando muitas vezes "cada um o seu", sem ganhar mais um tostão que fosse, sem qualquer subsídio de deslocação, que na prática não teve, nem tem limites. Até era célebre o irónico provérbio: "Se queres conhecer Portugal, torna-te professor eventual".
Os professores portugueses já não reclamam pelo confisco de grande parte dos salários e subsídios a que, como muitos dos demais cidadãos, estão sujeitos há mais de dois anos, os professores portugueses que fizeram licenciaturas, pós-graduações, mestrados e doutoramentos, fizeram estágios, relatórios de auto e hetero avaliação, tiveram aulas observadas, acções de formação, grelhas e mais grelhas, actas e mais actas (gostava de saber que outra profissão, jurídicas incluídas, é obrigada sistematicamente a relatar o já relatado, avaliar o já avaliado e "burrocraticamente" - de "burro" e "crato", apesar de ser apenas mais do mesmo - a "chover no molhado") e têm honrado os seus compromissos profissionais até ao excesso, vêm-se agora confrontados com horários de quarenta horas, sabendo-se de antemão que muito mais do que isso já trabalham, perguntando que outra profissão com idênticos vencimentos, leva trabalho para casa até à exaustão para as noites de serão, fins-de-semana e férias roubadas à família e à casa? Agora vêm dizer-nos que, após termos construído uma vida com dignidade e brio profissional, podes estar aos quarenta, cinquenta ou sessenta anos, na iminência de seres despedido sem qualquer justa causa e sumariamente lançado na miséria e na indigência, sem teres sequer direito a mínimas contrapartidas pelos teus muitos anos de descontos e de impostos.
Gostava também de saber que raio de sistema educativo vai ser este  e onde irá o corpo docente, obrigado no quotidiano a confrontar-se com a energia e a vitalidade naturais de dezenas e dezenas  de jovens, nem sempre "fáceis", buscar vigor aos sessenta cinco ou sessenta e seis anos?!
Amigos, neste momento, mesmo perante os enxovalhos e as calúnias de quem lucrou com o regabofe e agora clama por austeridade, de quem promoveu a destruição do aparelho produtivo nacional e agora clama pelo "mar", pela "agricultura" pela "reindustrialização", de quem nos fez embarcar em aventuras que nos hipotecaram a soberania e nos conduziram a armadilhas sem saída, a não ser com custos enormes, os professores portugueses estão irmanados no desígnio ético que proclama a defesa da própria vida como um Dever e não será sem luta que desistirão da sua, da dos seus filhos e da dos seus alunos, futuro de Portugal, para que se constituam elites mais dignas do que estas sanguessugas que agora nos assombram e cidadãos mais cônscios que não deixem que tal se venha a repetir.

4 comentários:

Alberto disse...

A era do bezerro de ouro do final do século XX tem origem nesta modernidade acente numa ética do " eu " mercadoria sobre o chavão de markting do " just du it" do rating global o que significa viver uma vida sem significado a austera, o que trai o pensamento existencialista, o qual começou Kirkegaard e Dostoiévski e que entre outros culminou com J P Satre . Salam!

imank disse...

Querido Mano:
They do nothing but crimes.
Já não há sequer Alfredos da Silva e Henry Fords.
Há Máfias planetárias que medraram dos escombros do Muro de Berlim como o Al Capone medrou com a Lei Seca.
Um Abração.

António Neves disse...

Excelente síntese do estado do nosso país: do salve-se quem puder até à miséria geral.

Unknown disse...

Chegámos a isto, com uns mariolas fascistas, piores do que o mentor espiritual!