terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Olear a Máquina"


Quem tiver mais de 40 anos há-de lembrar-se de um pequeno poster artesanal do tempo do stencil e das fotocópias “a petróleo” que estava afixado, bem à vista, em todas as Repartições com um macaquinho agachado de mãos na cabeça e que rezava mais ou menos assim: “ Quando sinto uma enorme vontade de trabalhar, sento-me calmamente a um canto à espera que a crise passe”.
Essa figura, a de “macaco”, exprime claramente a atitude enraizada na sociedade portuguesa face ao trabalho e à vida em geral. Nada mais avisado do que ser “macaco" e melhor ainda “macacão”.
Em Portugal os horários de trabalho são dos mais alargados do mundo dito desenvolvido e uma prova do nosso, relativo, subdesenvolvimento é que a nossa produtividade é das mais baixas desse mesmo “campeonato”. Isso explica-se por um conjunto de factores: insuficiências de gestão, da qualificação da mão-de-obra e dos próprios dirigentes que, em regra, não chegaram lá pela competência; insuficiências tecnológicas várias, mas também da sua operacionalização, etc., etc.
Mas isso só não chega para justificar cabalmente tal fenómeno, as suas causas primeiras são muito mais profundas e radicam no nosso inconsciente (às vezes nem tanto) colectivo com um fundo pulsional sadomasoquista.
A palavra trabalho provém do latim “tripalium” que era um instrumento de tortura e de facto, para os portugueses o trabalho e tudo o que à sua volta gira, além de ser uma tortura, não tem por finalidade a produção de riqueza, mas a exibição de poder.
Mostrar quem manda é assim o objectivo essencial do mundo laboral português (público e privado é igual) e por isso, não importa que os trabalhadores passem "eternidades" no “emprego” (mal empregado, benza-o Deus) sem fazer a ponta de nada, o que é importante como se conclui da hermenêutica do tremendamente esclarecedor provérbio "quem está por baixo é que geme", é que lá estejam horas e horas aprisionados à mercê do “chefe” que por sua vez está sujeito aos caprichos do Director-Geral, que por seu turno finge ser um “capacho” para o Ministro, que ele próprio não passa de um "verbo de encher" partidário em relação ao Primeiro, que também não é mais do que um “peão” para a “Europa” e assim sucessivamente.
E como estas coisas, digam os “pós-modernos” o que disserem, são dialécticas, aqui funciona a metáfora do "senhor e do escravo" na sua dupla dependência ou na mais caseira imagem da “volta do correio”.
Somos então organizadíssimos na programada tarefa de desorganizar, muitíssimo metódicos na bandalheira, empenhadíssimos na balda e ao contrário do que as mentes mais naïves poderão julgar, não fazer nenhum dá muito trabalho - é obra esforçar-se ao máximo para fazer o mínimo.
Temos como recursos estratégicos para esta imensa tarefa de uma autêntica campanha nacional, tão permanente como a Revolução para Trostky, e melhor, constantemente realizada, pois dura há séculos e não tem fim à vista - a burocracia com o seu cortejo de inutilidades em que o segredo é o de, em vez de tomar decisões que produzam efeitos, fazer relatórios, quadros, gráficos, portefólios e outras formas de entretenimento que se destinam não a fundamentar actos, mas a serem actos em si. Por isso é que quase tudo não costuma passar da fase da rábula e da célebre "redundância" de procedimentos.
Assim, desde as bombas de água do meu prédio que são “intervencionadas” todos os santos dias, sem que nunca fiquem reparadas, tendo os “técnicos” o especial cuidado de as deixar na mesma ou pior; até ao Terreiro do Paço que é esventrado todos os anos, ora para o Metro, ora para o Saneamento; ao Aeroporto da Portela que sofre obras constantes de melhoramento, quando se perspectiva que venha a ser encerrado e substituído pelo de Alcochete. Tal como a própria Selecção Nacional de futebol que chuta, dribla, passa, mas evita a todo o custo marcar golos.
Todos essas actos fazem parte de uma estratégia que, agora que até o terceiro segredo de Fátima foi, finalmente, revelado, se pode tornar pública e é como o “segredo de Justiça” e o “espeto” do Ribeiro do poema de Bocage ( “sem querer nos calções estar oculto”) apta para desmentir claramente o rótulo injusto de preguiçosos que aos portugueses costuma ser, muitas vezes, aposto.
Trata-se e digam os “crentes" da revolução tecnológica o que disserem, da prosaica e muito sensata necessidade de “olear a máquina”, de criar dificuldades para vender facilidades e dar que "fazer" a esta malta toda.
Se não como é que era pá?!
Tás a brincar ou quê?!

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