quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Frei Tomás
Do meu ponto de vista e sob todos os pontos de vista, Sócrates não é flor que se cheire. Agravado por isso, mas não só, também por "inerência" de funções, foi, dadas as suas evidentes falhas de carácter, muito mais atacado pela perspectiva moral do que em termos puramente (se é que isso existe) políticos. Ora, uma das personalidades que mais se evidenciou nessas invectivas foi um dos merceeiros-mores da República, o empresário Alexandre Soares dos Santos. Talvez por ser de uma geração, que, tal como a minha, não conheceu outra, utilizou até uma linguagem "esquerdista" para o censurar com grande aspereza (tal como o "economês" neo-liberal está eivado de conceitos marxistas, também no comentário crítico, mesmo de direita, abunda o jargão esquerdista. Não esquecer que a linguagem radical direitista não sobreviveu à Segunda Guerra Mundial).
Parecerá a uma primeira vista, por isso, estranho que tão alto moralista e auto-proclamado patriota venha agora pôr os seus interesses a recato do país das tulipas, dotado de um regime fiscal mais conveniente para os cordões da sua bolsa. Tais incongruências são por cá "uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer": Champalimaud, depois de arengar patrioticamente sobre "centros de decisão em território nacional", vendeu o Totta aos espanhóis do Santander; Vaz Guedes, depois de fundar um movimento de empresários "nacionalistas", alienou a Somague aos "nuestros hermanos" da Sacyr Vallehermoso e agora o "camarada" Soares dos Santos (como, aliás já fizeram, sem tanto alarde - mas "cá se fazem, cá se pagam" - muitas outras empresas "nacionais" mais ou menos "achinesadas"), patrão do Pingo Doce, muda os réditos para os Países Baixos onde os impostos também o são.
Por causa de um monumental equívoco histórico habituámo-nos a fazer equivaler a verdade e a virtude, esse equívoco radica no outro Sócrates que, tendo pouco em comum com o "nosso", foi consagrado pela tradição platónica como caução pelo exemplo dessa equivalência clássica. Só mais tarde vingou e ainda assim, mais na tradição protestante, que isso pode não ser bem dessa maneira e que a Razão raramente é "Pura" mesmo quando a sua "Metafísica" nos impele para o Bem, que será, por natureza, absolutamente desinteressado. Já o mero "entendimento" (uma modalidade mais "pragmática" de raciocinar) trata de nos ensinar a fazer cálculos, medir e ponderar vantagens e desvantagens a frio, sem moralidades. Como a única "Teodiceia" viva é a do Capital e ainda assim já destituída da versão salvífica que ostentava antes da "Crise", pois migrou do "Éden" para o "Olímpia", substituindo a promessa de "Redenção" pelo "hardcore" pornográfico do terrorismo social, é muito normal que o senhor Soares dos Santos se tenha posto a fazer contas e tivesse mandado o patriotismo para aquelas plantas cuja água é muito adequada para lavar o fiofó.
Quando era miúdo tinha uma tia rica, que tal como um primo na Guerra Colonial, um morto em acidente de viação (então e ainda hoje) ou, agora, alguém da família no desemprego, era algo que toda a gente tinha. Essa minha tia rica, tia do meu pai, todos os Natais convidava os parentes "pobres" e "remediados" (o que não nos dava, nem dá, quase nenhum remédio) a ir lá para os Estoris a um bodo numa grande mesa cheia de hierática etiqueta, obrigados a comer muito moderada e cuidadosamente, transidos de temor à autoridade de quem manda porque pode, aterrorizados com o que poderia "parecer mal" e ouvir os sermões da senhora nossa tia, que nunca em dias da sua vida tinha trabalhado, sobre os "calões" e os "madraços" dos trabalhadores e os "gulosos" que eles eram. Escusado será dizer que chegado à idade de decisão, mais do que da razão, nunca mais lá pus os pés, porque me incluo naquela, quero crer que grande maioria das pessoas que mesmo sendo pobres, não toleram ter que fazer figura de "pobrezinhos".
Com o Sr. Santos também mais uma vez se confirma o aforismo da pregação de Frei Tomás e o "eterno" desacerto entre o que ele diz e o que ele faz.
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