Passaram trinta e nove anos sobre o chamado "Golpe das Caldas", em 16 de Março de 74, numa altura em que eram esperadas várias iniciativas deste género (discutia-se se seria de "esquerda" ou se dos "ultras" - Kaúlza andava nas "bocas do mundo"), uma coluna militar saiu das Caldas da Rainha com destino a Lisboa com o intuito aparente de dar um Golpe de Estado. O movimento não foi secundado e o Regime facilmente dominou a revolta e aprisionou os seus autores, militares spinolistas, que vieram a ser libertados cerca de quarenta dias mais tarde na sequência do 25 de Abril.
O professor José Hermano Saraiva numa das suas últimas entrevistas, talvez mesmo a última, faz uma curiosa interpretação desses acontecimentos (lembro-me da jornalista entrevistadora ter ficado visivelmente nervosa e ter passado sobre o assunto como gato sobre brasas). É certo que o velho professor se tornou conhecido pelas suas versões, no mínimo, pouco ortodoxas de factos históricos, que até lhe valeram algumas "excomunhões" (estou a recordar-me de uma vez em que foi "proscrito" de Guimarães por ter alvitrado que, afinal, a primeira capital do Reino fora Coimbra). Neste caso porém a memória está demasiado fresca e ele foi uma testemunha privilegiada, tendo sido Ministro da Educação de Marcelo Caetano, por quem não nutre especial simpatia, tendo-o este mesmo substituído no cargo por Veiga Simão e nomeado Embaixador no Brasil, onde, aliás, se encontrava à data quer do 16 de Março, quer do vitorioso 25 de Abril. Disse, sem papas na língua, que o "Golpe das Caldas" fez parte de uma urdidura entre Marcelo Caetano e Spínola com o propósito de "abrir" o regime limpando-o dos ultras, para se desenvencilharem em especial do seu chefe de fila, o então Presidente da República, Almirante Américo Tomás, que após o tombo de Salazar tinha, ao que parece, abandonado o seu proverbial low profile e deixado de ser "verbo-de-encher" e mero "corta-fitas". A coisa teria passado por ter sido Marcelo Caetano o verdadeiro autor do livro "Portugal e o Futuro", assinado por Spínola e caído como uma bomba no "pacato" (e sonso, diga-se de passagem) milieu político do stablishment nacional (Hermano Saraiva duvida da capacidade do velho general de cavalaria para ultrapassar o "peido e coice" e escrever o que quer que fosse). Para levar avante esse desiderato terão acertado encenar uma quartelada para destituir o "cabeça de abóbora" (Almirante Tomás) e substituí-lo pelo General Spínola. Para isso precisavam do apoio do "Movimento dos Capitães", futuro MFA, que terá sido prometido, mas que no dia da verdade acabou por deliberadamente "roer a corda" para se livrarem deles e ficarem com as mãos soltas para fazer o seu próprio golpe, sem empecilhos, que viria (e ainda bem) a ser o 25 de Abril.
Assim se poderá explicar a reacção assertiva, como agora se diz, dos capitães quando Spínola mandou dizer à Cova da Moura (Posto de Comando do MFA) que se "tinha acabado a brincadeira"):
- "Pois acabou meu general. Não se esqueça que quem fez a Revolução fomos nós!"
Spínola havia de se "esquecer" por duas vezes - em 28 de Setembro de 74 e em 11 de Março de 75.
Só não entendo a razão para que, num País tão dado a "mitologias", onde o "Caso Camarate" anda às voltas há mais de trinta anos, se deixe este outro caso tão sossegado e aparentemente ninguém, à excepção da modesta pessoa do escrevedor destas linhas, ligue a esta suculenta pista deixada pelo velho e castiço historiador.
Se calhar ainda é cedo para mexer na génese da IIIª República, mesmo que pela porta da petite histoire.
É que os mitos costumam ser muito sensíveis e o melhor é deixá-los em paz (nem que seja na paz dos cemitérios)...
Se calhar ainda é cedo para mexer na génese da IIIª República, mesmo que pela porta da petite histoire.
É que os mitos costumam ser muito sensíveis e o melhor é deixá-los em paz (nem que seja na paz dos cemitérios)...
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