segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"Actos de Deus"


"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem."

Bertold Brecht

Na jurisprudência anglo-saxónica o conceito de "Acto de Deus" significa acontecimento de causas naturais cujas consequências não podem ser assacadas a pessoas ou entidades humanas, digamos assim, e costuma ser utilizado em contratos de seguros ou de garantia para indicar ocorrências não cobertas.
Assim, danos provenientes de terramotos, inundações ou tempestades não poderão ser ressarcidos por companhias de seguros ou fabricantes de bens, pois não decorrem da sua responsabilidade e a bem dizer da de ninguém em especial, a não ser "Deus".
Ora, como Deus costuma ser "surdo" face às desgraças humanas e não pode ser demandado judicialmente...
Bem, não será completamente assim, vi um engraçado filme australiano em que o proprietário de uma embarcação destruída por um incêndio causado por um raio, perante a recusa de responsabilidades por parte da Companhia de Seguros, não vê outro remédio senão processar "Deus".
Isto a propósito das trágicas consequências, sobretudo humanas, mas também materiais, dos aluviões da Madeira em que há uma espécie de consenso entre os políticos do "sistema" do CDS ao Bloco (e para quem tivesse dúvidas, bastou ouvir as declarações de Louçã, logo elogiadas por Marcelo na sua "homilia" dominical), de que perante a dimensão da intempérie, fossem quais tivessem sido os cuidados, a situação não teria sido muito diferente.
Nestas ocasiões costumam sempre enfrentar-se dois campos: o dos que entendem que perante a "força da Natureza" não há nada a fazer e os que acham sempre que se se tivesse tido cuidado e se tivessem sido ouvidos os seus avisos, "nada disto teria acontecido".
A verdade, como em tudo, deve estar algures no meio. Uns, os "realistas" podem ser suspeitos de enfileirar no imenso lamaçal da ganância e da corrupção em que "este país" se revela fértil (tanto é o "estrume"); os outros, os "utopistas" podem ser suspeitos de bloquear toda e qualquer iniciativa "desenvolvimentista" e apostar na manutenção de uma certa estagnação económica que poderá ter laivos bucólicos, mas apenas para quem só lá vai de férias.
O que é certo é que pessoas de créditos firmados como o Arquitecto Ribeiro Telles andam a "clamar no deserto" há mais de cinquenta anos e muito do que de catastrófico aconteceu e não apenas Madeira, teria sido, pelo menos parcialmente evitado, pois não há vida sem risco, se as suas "imprecações" tivessem sido tidas em conta.
Jardim, sem "baixar a guarda" no seu habitual estilo truculento, afirmou que por motivos económicos (leia-se por causa do turismo), "não se pode dramatizar muito". Bem, o que será "dramatizar muito" a morte de mais de quarenta pessoas?
Se "neste país" a culpa (não gosto muito do termo cheira-me a beatério e a fácil "absolvição"), costuma morrer solteira, a responsablidade (termo que prefiro por maior objectivação) morrerá seguramente viúva.



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