sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sansão e Dalila ou a Arte de Sacudir a Água do Capote


O Director-geral da Administração Interna, Paulo Machado, e o Director-geral da Administração Eleitoral, Jorge Miguéis, apresentaram os seus pedidos de demissão dos respectivos cargos após a "bronca" do Cartão do Cidadão que denegou, na prática, a milhares de eleitores o mais sagrado dos direitos democráticos - o voto. Ora, após a Secretária de Estado, Dalila Araújo, ter, por omissão, imputado responsabilidades aos seus subordinados directos, precisamente os dois Directores-gerais, pela opção de dispensar a notificação dos portadores do novo documento, e do Ministro da Administração Interna, Rui Pereira ter pedido desculpa aos portugueses pelo sucedido sem assumir ele próprio quaisquer responsabilidades no caso - o mínimo que devia ter feito como "homem livre e de bons costumes" e nos termos da tão decantada ética republicana. Infelizmente e desmentindo o esperado, a avaliar pelo perfl do Professor Rui Pereira, nada disso se passou e, com os rojões (e mais o verde tinto que também costuma ser muito bom), optou por encomendar um "estudo" à Universidade do Minho que imputou (sempre os filhos da "imputa") o sucedido a "questões de natureza tecnológica". Ora isso já o pagode sabia, o problema é que as "questões de natureza tecnológica" se estão a sobrepor à vontade e aos próprios direitos dos cidadãos, demais a mais, quando são "questões de natureza tecnológica" que decorrem do deslumbramento propangandístico de parvenus como o actual Primeiro-ministro y sus muchachos (y muchachas, porque no hace discriminación de género).
Há cerca de uns quinze anos, quando a Internet ainda custava os olhos da cara, comprei um equipamento informático com recurso a crédito e estipulei com a locadora um dia fixo para o saque da mensalidade, acontece que essa operação era sempre feita com vários dias de antecedência, desrespeitando o contrato. Comuniquei o facto ao meu Banco, então e como bom funcionário público, a Caixa Geral de Depósitos dizendo que não autorizava o saque antecipado. Após dança telefónica entre funcionários que iam subindo na hierarquia para subgerentes e gerentes, uma senhora acabou por me comunicar que "tinha razão, mas não podiam fazer nada porque estava tudo já em banda magnética". Acabei por responder : "Oh minha senhora, nem que fosse em Banda da Carris, então eu é que sou o vosso cliente, o dinheiro é meu, só têm que fazer o que eu digo". Como quem diz: "Afinal são meus amigos ou amigos da onça?"
Dando de barato que o caso "Cartão do Cidadão" foi apenas un affaire de incompetência e pressa "demagógico-tecnológica" (o Cartão do Cidadão foi anunciado como tendo valências que, afinal, não tem), não se consegue entender porque razão os piores receios de Huxley ("O Admirável Mundo Novo") e Orwell ("1984") estão a realizar-se: a "vontade" das máquinas (sobretudo se mal programadas) a prevalecer sobre os direitos dos cidadãos - que custaram vidas, Santo Deus.
Quanto às "Dalilas" e a ser verdade o que declararam os Directores-gerais demissionários, para além de terem sido os menos responsáveis e mais competentes dos intervenientes no processo, vem provar-se que estamos em pleno reino dos "passa culpas" e "enjeita responsabilidades" de que a nossa Administração Pública está cheia, trata-se sempre de "sacudir a água do capote" e "chutar para baixo" para aguentar o tacho.
Vergonha na cara, precisa-se!!!

2 comentários:

grazia.tanta disse...

Bom trabalho. Acrescento a propósito excerto do meu texto intitulado "Presidenciais: entre o bocejo e o vómito, é preciso reflectir"
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Como ponto prévio, abordemos a confusão dos cartões de cidadão; incúria, amadorismo, eventual entrega das estruturas informáticas a várias empresas pouco articuladas entre si. A revelação clara da relevância e do empenho do mandarinato no funcionamento da democracia, mesmo que de mercado. Esta não foi (ainda) suspensa como sugerido pela Balela Ferreira Leite mas, em tempos de “consolidação orçamental” não merece muitos cuidados.

Importante, importante é a máquina fiscal, os cruzamentos para apanhar os pobres e os trocos, os recibos verdes (agora também electrónicos), os biscates dos desempregados, dos trabalhadores doentes (5). Importante é a dotação da polícia com formas de detectar se um carro a circular na estrada já foi ou não objecto da inspecção periódica dentro do prazo para aplicação de coima. E, finalmente, é importante o fornecimento de dados biométricos para alimentar a paranóia anti-terrorista dos EUA.

Este ministro, um togado que dá pelo nome de Rui Pereira, não tem somente cara de parvo; a cara é o espelho que reflecte a sua essência. É capaz de saltar do poleiro, como produto do fogo de artifício parlamentar ou por jogada de antecipação de Sócrates para evitar o espectáculo. Sem que isso se prenda minimamente com o roubo e o empobrecimento colectiva que recai sobre a multidão.

Outra questão, a da actualidade do recenseamento eleitoral é recorrente. O PS/PSD pouco liga à questão pois o excesso de 743000, eleitores segundo cálculos nossos (6), permite aumentar os subsídios do Estado aos partidos e até aumentar o número de vereadores nas câmaras. E por isso, a aldrabice vai-se mantendo.
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http://www.slideshare.net/durgarrai/presidenciais-entre-o-bocejo-e-o-vmito-preciso-reflectir

um abraço
grazia.tanta@gmail.com

imank disse...

Li o teu texto "Presidenciais: entre o bocejo e o vómito" - o título não podia ser mais acertado.
Passei a ser ainda mais fan do Grazia Tanta (um portento de lucidez).
Um abraço,
Tozé