sábado, 9 de abril de 2011

No pasa nada hombre (ou os malefícios de ter os olhos abertos)







Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o mundo é lisonjeiro,
e ninguém desenganado

Gil Vicente, “Todo o Mundo e Ninguém”





Soube pelos "media", “velhos” e novos, que um professor de Filosofia, João Paulo Maia (51 anos), foi agredido a soco ao ponto de ficar inconsciente por traumatismo craniano, após ter tentado evitar uma briga entre dois alunos na Escola onde trabalha, a Secundária Bocage (antigo Liceu Nacional de Setúbal). Só identifico o docente porque a sua identidade foi já revelada pelos jornais, bem como a do agressor.
Quero dizer que conheço o João Paulo há anos, conheço o seu trabalho, o seu empenhamento quotidiano, o seu dinamismo, as suas elevadas qualidades morais e humanas e aquilo que o vitimou - ter os olhos abertos no contexto de uma situação escolar em que “no pasa nada hombre”, em que ninguém vê nada e em que é frequente que quem não se demite, professores ou funcionários, tenha estas “agruras”.
Sou professor há trinta e quatro anos e pertenço, por isso, à geração da culpa - durante a minha infância e adolescência, enquanto filho, aluno e jovem, tudo o que corria mal em casa, na escola e na vida era por minha exclusiva culpa, no exacto momento em que mudei de lado e me tornei adulto, pai e professor, a culpa acompanhou-me e continuou a ser minha.
Apre que é preciso “pontaria”! Caso para dizer: má sorte ter tido culpa!
Tenho durante a minha vida profissional testemunhado e sabido de inúmeros casos deste tipo que parecem não incomodar mais ninguém: desacatos, agressões, grosserias, depredações de material, porcarias de todos os tipos, actos de extrema incivilidade a que “todo o mundo” faz vista grossa e “ninguém” parece ver.
Dos óculos com lentes de “paraíso” cor-de-rosa que o Ministério da Educação insiste em “vender” até ao estado de negação reiterado em que vivem muitas Direcções de Escolas e Agrupamentos (para não prejudicar “imagens”, afinal o que importa), passando pelo demissionismo militante de muitos professores e funcionários, que tal como o célebre “Guarda Geleia” do Jô Soares (o tal do: “homem - não me comprometa, eu não vi nada, eu não ouvi nada, eu nem sequer estava cá e quem disser o contrário eu NEGO, N-E-G-O, NEGO!!!”) – porque sabem que se virem, ninguém os respaldará e passarão a ser também vítimas de ter visto.
Quem não conheceu situações de colegas cujas aulas transbordam de algazarra e bagunça e depois afirmam peremptoriamente em Conselhos de Turma e até Pedagógicos: “não tenho quaisquer problemas com eles; comigo portam-se lindamente”?
Num País em que as políticas oficiais não passam de mascaradas e "trompe-l'oeil", em que o Sistema Educativo produz, deliberadamente e a partir de cima, cada vez mais “lixo social” que só o é porque se limita a seguir exemplos de “licenciados” ao domingo e por fax, de agressões verbais e físicas entre gajos (não lhes chamo pessoas) , por vezes até com o nome, mas só isso, de sábios e de santos, que dão entrevistas a mascar pastilha elástica (a metadona dos fumadores), que mandam apagar a luz e “regar” contrariedades; em que ser alarve, burgesso e “casca grossa” é vendido como sinal de sucesso - o João Paulo teve o azar de ter os olhos da alma abertos perto de um energúmeno.

2 comentários:

António Neves disse...

Olá Tozé, acompanho regularmente os teus artigos e frequentemente subscrevo as tuas posições. Mas esta questão é uma das que mais me incomoda na nossa "escola-faz-de-conta" que, tal como na sociedade em geral, é um modo de estar.
Este é um reflexo da nossa maneira de estar: "quem vier atrás que feche a porta".
Chatices para quê se isso não conta para a avaliação e ainda arranjamos sarna para coçar...
Abraço
AN

imank disse...

É verdade caríssimo, também já vimos muita coisa e das vezes que nos incomodámos se calhar houve fraco resultado. Até já houve, há muitos anos, uma Directora de Turma, que ainda está na ESSA e dá-se o caso de até ter sido, também na ESSA, minha aluna, que perante uma participação que fiz de um imbecil que me ameaçou em plena aula, foi dizer à mãe do "petiz" que eu "fervia em pouca água". Com "amigos" destes ninguém precisa de inimigos. POr acaso quem mo contou foi a própria mãe do aluno, que por sorte para todos foi de extrema correcção.
Um Abraço,
Tz