quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um Monumento




Tenho reparado, na televisão, pelo menos na RTP, que está a decorrer uma espécie de concurso, por votação pública, cujo tema são "As Sete Maravilhas da Gastronomia". Fui consultar o site e reparei numa gravíssima injustiça, estando numa fase adiantada, não se encontra já na disputa o "Cozido à Portuguesa", prato que está para o património gastronómico lusitano como os Jerónimos estão para o património edificado - um autêntico Monumento.
Desculpem estar a falar de comida farta e quente no que devia ser o pino do Verão, mas o tempo passa depressa e o de "férias" está rapidamente a chegar ao fim. Nada melhor do que irmos preparando o ano de trabalho e de profunda crise, com algum consolo de boca (no misunderstandings, please).
O "Cozido" é a maravilha-mor da gastronomia lusitana e quiçá, da lambarice universal. Nele está consubstanciado o Quinto Império - Síntese Totalizadora e Perfeita em que podendo acrescentar-se sempre mais um ingrediente, estando no ponto, nada mais falta e até aconselho a não incluir alguns.
Portugal é um País relativamente pequeno, com uma diversidade interna só comparável à da Bósnia-Herzegovina, nomeadamente quanto aos prazeres da mesa (também aos da cama e da roupa lavada, mas isso são "contas de outro rosário"), felizmente deu-nos para os Concursos de Gastronomia e para as "Capitais do Fumeiro" (e mais disto e mais daquilo). Que me perdoem as sardinhas assadas, as caldeiradas e o bacalhau, emblema maior da nossa idiossincrasia (que outro País conhecem com um dos "pratos nacionais" cujo ingrediente base se vai capturar a milhares de milhas?), mas quero exaltar a verdadeira abside monumental da nossa glutonice congénita - o divinal "Cozido".
E não me venham cá com "cuisines" !!! Estou a falar de comer, bolas, não de efeitos visuais (se quisesse apreciar naturezas-mortas ia às Belas-Artes) e folhas de agrião a cinquenta euros cada uma, mais uma colherzinha de "foie gras" e dá cá mais cem e assim sucessivamente, sem que nada se coma, está-se sempre a ser comido.
Não me venham também com essa de que na "Europa" (dos enfartes; ah como é diferente o colesterol em Portugal...) há pratos semelhantes. O quê? O "eisbein" - monótono e mostardeiro?!
É como dizer que a "bouillabaisse" é uma caldeirada. "Tás" a gozar ou quê?! A única coisa que ela te "baise", para além do palato, é a carteira, meu...
Atenção a um pormenor muitíssimo importante: como muito bem avisou José Luís Gomes de Sá Júnior, comerciante de bacalhau com armazém na Ribeira do Porto, na carta a Bulhão Pato (cujo célebre molho para amêijoas, temperado pelo punho do próprio, ainda pode ser degustado naquelas tascas da Rua das Portas de Santo Antão com as caçarolas que mantêm a mistura original há mais de cento e cinquenta anos, como se pode adivinhar pelo cheiro que exalam) em que lhe envia a receita do célebre "Bacalhau à Gomes de Sá": "Cuidado faça tudo como indico. Se não, não presta"!.
No "Cozido", o trunfo é o chouriço de sangue, não a morcela, mas o singelo e modesto chouriço de sangue, sem ele (e há locais do País onde nem sabem o que o que seja), recuso-me! Nem sequer vale a pena.
Variantes: o "Cozido de Grão" da Serra Algarvia (que no meu amigo Charneco em Estômbar, é em regra, o sétimo prato seguido, antes da sobremesa, e único de carne em alternativa à "Cabidela de Galo" e quando os "novatos" lhe pedem a "lista" ele, do alto do seu metro e noventa e cento e cinquenta quilos, trata de "esclarecer": "Então vieram cá para comer ou para ler"?!) e do Alentejo e o das Furnas de S. Miguel, Açores, são bons mas doutra divisão do Campeonato, este último até resulta muito bem do ponto de vista turístico, mais devido ao processo, do que, a bem dizer, ao resultado. Seria imperdoável não mencionar a iguaria crioula por excelência, a inigualável "Cachupa" (que, ainda assim, é a que mais pode pedir meças).
Enfim, qualquer comparação com o original faz-me lembrar uma, muito curiosa, entrevista ao Professor José Hermano Saraiva em que afirma:
"O único socialista que conheci em Portugal, foi o Doutor Oliveira Salazar. Também gosto muito do Dr. Mário Soares, mas é por outros motivos"!

2 comentários:

a Arrábida aqui tão perto disse...

TóZé o teu texto está uma "delícia", adorei e é de toda a pertinência. Estamos cá p comer e não p sermos comidos, como afirmas, e muito bem. Boas férias e obrigado por estes tesouros de lucidez.
Ana Ramalho

imank disse...

Muito obrigado Ana Francisca, o Verão anda assim para o "farrusco" e a gente tem de ir "fazendo boca" com alguma coisa de substancial. Nem que seja em perspectiva.
Beijinhos,
Tozé