No meu post anterior, "Cada cor seu paladar", referi certas idiossincrasias "dialectais" barreirenses e não apenas "camarras", porque o seu uso incluia mesmo os não radicalmente "camarros" ( e esses usavam um linguajar muito mais "cerrado" de que hoje muito pouco sobrevive).
Esses modos próprios de falar não se reduziam a questões lexicais, mas também à fonética e eu tive ocasião de me aperceber disso quando, aos dez anos, e por não haver ainda ensino liceal público no Barreiro, fui para o Gil Vicente na Rua da Verónica à Graça no coração da Lisboa castiça.
Lá e mais tarde, já no início dos anos 70, no D. João de Castro, reparei que os meus colegas "alfacinhas" (ou com pretensões a isso) me perguntavam se eu era "alentejano"; confesso que estranhei muito a pergunta, apesar de no último caso e uma vez que já tinha quinze
"(d)espertos" anos, responder que, em bom rigor deveria ser, uma vez que tomando a capital como referência, tinha nascido para além do Tejo ( o grande rio da nossa aldeia comum), e vêm-me sempre à memória os versos do cante:"Quando cheguei ao Barreiro e embarquei no vapor que passa o Tejo, chora por mim que eu choro por ti, já deixei o Alentejo".
Mas excessos de rigor à parte, acabava por dizer que no sentido usual não, não era alentejano, era do Barreiro.
- " E vocês lá não falam como em Lisboa"?- perguntavam eles.
E eu que julgava que sim, que falávamos como em Lisboa, tive que admitir que apesar dos verdadeiros alentejanos quando com eles falávamos nos atribuirem essa proveniência, havia diferenças e não tão poucas como isso.
Assim a "coisa" começava logo na fonética:
Onde "eles"( em Lisboa) diziam : - "Oh pá"!, "nós "(cá no Barreiro) dizíamos: - " Eh pá"!
Em Lisboa era "Tiio", "Riio", no Barreiro "Tiu", "Riu" e em "camarro" verdadeiro "jôge" por "jogo"( o senhor José Augusto, velha glória do Barreirense, do Benfica e da Selecção, um dos magriços de Inglaterra 66, ainda utiliza essa deliciosa pronúncia quando na televisão ou na rádio comenta jogos ).
Também no léxico havia diferenças notáveis, para além dos "bananins"/"paladares"
Em Lisboa dizia-se "berlinde" ou bilas, nós "bogalho"; eles (mais "elas") jogavam à "macaca", por cá era à "semana", eles comiam "carcaças", nós "paposecos",; já eles reinavam, ou pior, "rénavam" e nós aí falávamos português porque nos limitávamos a "brincar", nós tínhamos a malta ou a maltinha ( a da Cerca, a do Altinho, a temível da Srª. do Rosário e a terrível da Miguel Pais, malta camarra) e eles a "maralha".
Expressões interessantíssimas se ouviam, a minha tia (tia avó) a "menina" Adélia que está à beira dos noventa, quando lhe perguntavam pela noitinha :
- "Boa noute! Atão, adonde vás" ?
- " Vou à da m'nha cunhada"!
Mas nestas questões dos "dialectos" locais não convém abusar.
Lembro-me que aí por oitenta e poucos, fui ao Porto e fiquei num daqueles hotéis da Avenida dos Aliados; de manhã, entrando num daqueles velhos e grandes cafés pedi, ao balcão, um cimbalino.
O empregado olhou-me de soslaio e retorquiu:
- "Deseja uma bica, não é verdade" ?!
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