sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

JÁ NÃO FUMEGA !

Tomando de empréstimo a designação de uma já clássica banda de rock nortenha é o meu "grito de alma", quando por motivos de saúde e com alguma nostalgia, caminho pelo Barreiro e de "humores merencórios" espontaneamente corre em mim a "bobine" da terra da minha infância e juventude.
São os mesmos sítios, só que sitiados.
E é verdade que o que é , pode, simultaneamente, não ser!
Já não fumegam as chaminés que a meias com o nevoeiro, produziam o smog acre e irritante que era já parte integrante da "nossa" paisagem industrial, que nos incomodava, mas nos conferia um sentimento de dignidade, de razão de ser.
Olhar os esqueletos e os fantasmas de uma actividade produtiva que não se reconverteu, apenas morreu de inanição, é triste e acorda em mim a voz dos que já cá não estão e vivos passaram nestas ruas agora demasiado silenciosas.
(The ancient empty streets too dead for dreaming) !
Como eu lhes entendo agora o sentido!
O Barreiro e a despeito das recentes "novidades", sem dúvida importantes e significativas, respira um pouco por todo o seu tecido urbano e muito no conjunto, demasiado concentrado em certas zonas como o Barreiro Velho, um ambiente de decadência e profunda degradação física e estética que se torna deprimente. Se bem que este ambiente não seja exclusivo, longe disso, do Barreiro, a própria antiga e esplendorosa capital do Império padece do mesmo mal, mas neste caso a patine do tempo e a beleza dos espaços compensa de algum modo a "negra" face, no caso do Barreiro isso não acontece.
Um pouco por toda a parte vemos edifícios profundamente degradados, mesmo nas áreas mais "centrais", fitas vermelhas e brancas indicam perigo e ruína, mas não evitam a sua eminência.
Um pouco por toda a parte há "enclaves de deserto", terrenos "baldios" cheios de escombros, lixo e dejectos. Um pouco por toda a parte reinam as sombras do passado, antigos fabricos de cortiça abandonados e terrenos inertes invadidos pelo mato mesmo no "coração" das zonas mais "nobres" da Cidade.
A juntar a este cenário desolador temos um "urbanismo" de gosto muito duvidoso, onde se esgota quase toda a possível paleta da piroseira suburbana mascarada de pós modernidade para consumo das hostes fiéis a um novo-riquismo possidónio que caracteriza um certo "mercado" em que impera o gadget e a objectiva inutilidade, desde o "estore eléctrico" à "música ambiente".
É preciso intervir mais do que cosmética ou especulativamente neste estado de coisas, a nossa zona ribeirinha noroeste por exemplo, na margem do Tejo, nas zonas de Alburrica e do Mexilhoeiro, está há décadas ao "deus-dará" e como diz a canção: "quando Deus não dá, como é que vai ficar" ?!
Assim mesmo, sem tirar nem pôr!
Mas recuperar não é "amaricar" e corroborando a opinião do ilustre Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Teles, não se "recupera" o nosso património natural e edificado espetando palmeirinhas e "mobiliário urbano" plastificado desde o Gerês a Vila Real de Santo António.
Hoje, ao vir a pé quase ao pôr do Sol, pelo viaduto "cardiovascular" da Recosta, junto áquele pavilhão do Pingo Doce, que até nem é feio, mas que está a virar fantasma por abandono das actividades complementares, sobre barrancos "carecas" por abrasão do escalracho que "arrelvava" as zonas junto ao Terminal Rodo- ferroviário-fluvial completamente ocupadas pelas "inevitáveis"(até ver) latas de quatro rodas em que nos fazemos transportar, reparei nas linhas arrancadas e no deslocamento para nascente da Linha Férrea agora electrificada e, vendo uma composição das novas a assinalar partida, esperei em pleno viaduto que o combóio me passasse por baixo, nisto o maquinista que não consegui reconhecer, mas que certamente me reconheceu, acenou para mim e saudou-me com um ligeiro apito!
Este simples gesto iluminou as brumas da minha memória e deu-me o alento necessário para escrever este texto que é de um encantado desencanto!...

3 comentários:

Anti PS Neoliberal disse...

Que desencanto encantador !

Um abraço

Zé do Barreiro disse...

Tó Zé Ferreira,

Excelente texto. Gostei mesmo.

( e sabes como eu sou exigente ... para mais dizer/escrever publicamente, sem equívocos, que me agradou um texto teu )

Saudações,

Zé.

imank disse...

Muito agradecido pelas vossas amáveis palavras.
Todo o nosso país tem, e o Barreiro não é excepção, antes pelo contrário,este ingente problema da degradação física dos espaços e do património que só por si arrasta a sua degradação social ( quem não se recorda a este propósito da teoria da "janela partida")?!
E o que é duro é que tudo parece conjugar-se para dificultar ao máximo a sua resolução: o "deixa-andar",a lei demasiado "laxista", a falta de aplicação da lei quando esta não seja "laxista", o conúbio com interesses privados e ganâncias várias, algumas até absolutamente irracionais e inconsequentes, a falta de imaginação e também, por vezes, o excesso dela, que pode conduzir muitas almas bem intencionadas a delírios que se realizados tornam pior a "a emenda que o soneto".
Tudo isto num pano de fundo de "no money, no cloney".
E como não há modo, pelo menos conhecido, de deter a entropia, ela continua a fazer estragos!
Um desencantado abraço:
Tozé