Há quem veja a maiêutica socrática, ou seja, a arte de fazer o próximo “parir” a verdade, como mais um instrumento metodológico de uma “sofística” pretensamente anti-sofística. Nós, portugueses, estamos bem servidos de expedientes deste género: Salazar, por exemplo, assumiu-se como “mestre” de uma "política sem política” e temos vivido, desde os anos 80, sob o jugo de uma ideologia global (o capitalismo neo‑liberal) que proclamou a “morte das ideologias” (certamente que das “outras”), da teleologia do mercado e que se pretendeu instituir como única “religião” com os resultados que estão à vista!
È um “truque” recorrente o próprio ladrão gritar “agarra que é ladrão”! E esta técnica persuasiva de induzir a “verdade” conveniente é tão antiga como os registos da Humanidade e está catalogada como técnica retórica, sendo recurso vulgar de todos os vendedores de “banha‑da‑cobra”.
É precisamente o que se passa com a “Moção de Sócrates” para o próximo Congresso do PS, que foi apresentada ontem, domingo, no CCB e que como “novidades” apresenta o velho tema “fracturante” do “casamento entre pessoas do mesmo sexo” sem adiantar mais pormenores, sem se querer comprometer com mais nada, ou seja, com as questões conexas do direito à adopção, etc., etc., e a “protecção à classe média”, por via da política fiscal.
Ora estas propostas, sobretudo a última, uma vez que a primeira se insere na táctica de agarrar eleitoralmente uma “franja”, depois de a ter traído consecutivamente, parecem-me eivadas de farisaísmo e vamos por partes:
A política fiscal em Portugal constitui efectivamente e desde “sempre”, um autêntico esbulho, uma verdadeira exacção à tal classe média que o “nosso” Sócrates se propõe agora “proteger” depois de ter andado a “sugar”durante todo o mandato.
Não é por acaso que Portugal é e tem continuado a ser, até se agravando o fosso durante o consulado “socialista” de Sócrates, um dos países mais económica e socialmente desiguais, não apenas entre os países da União Europeia, mesmo considerando os recém entrados, mas entre os países da própria OCDE, ou seja é estruturalmente e há séculos, um país em que o rendimento e consequentemente a riqueza é muito desigualmente distribuído e nós sabemos bem das “dificuldades que tem um reino velho em emendar‑se”, mas também sabemos quanto os governos e as forças sociais dominantes têm, ao longo de séculos, vindo a compactuar com a situação sejam de “esquerda” ou não.
E quando algo ameaça mudar o establishment, ou começa a cheirar a pólvora ou se inventa uma qualquer “Casa Pia”*, para arredar os “empecilhos” que dantes iam para o patíbulo e agora vão para a gaiola dourada de Bruxelas e arredores.
Mas voltando à “vaca fria”, se o critério de protecção à classe média for o mesmo que tem vigorado no iníquo sistema fiscal a que temos estado submetidos, auguro que seja mais do mesmo e que quaisquer 300 contos de rendimento bruto mensal (1500 Euros) sejam (como actualmente são) suficientes para fazer um “rico” fiscal em Portugal, onde infelizmente, rendimento declarado e rendimento real são duas coisas bem diferentes e assim, a classe média assalariada continuará a ser a “teta” espremida até sangrar, pela “retenção na fonte” de uma fatia importante dos rendimentos brutos, com a agravante de aquilo que para ela são “luxos” (a habitação, os carros, o combustíveis, as comunicações, as propinas, as refeições, as “taxas moderadoras” na saúde, por exemplo, etc., etc.) para outros serem “despesas” a deduzir, o que permite que muitas empresas (grandes, pequenas e médias) sejam constante e sistematicamente descapitalizadas e o erário público delapidado, pelo uso privado de verbas e bens das mesmas (viaturas e despesas de todo o tipo: desde refeições em restaurantes, sejam “populares” ou de luxo como recentemente foi tornado público na Gebalis, por exemplo, até férias nas Caraíbas). Mas com isso “ninguém” parece preocupar-se a sério e o “regabofe” continua.
Para além das reformas milionárias dos “banqueiros” públicos como a CGD e o Banco de Portugal por muito pouco tempo de “trabalho”e também das subvenções vitalícias aos titulares de cargos políticos e às acumulações escandalosas que só a alguns são permitidas e que indiciam gravíssima ancilose de uma República que nunca o chegou a ser em pleno.
E continua, num paradigma de contenção e agrado aos extremos da pirâmide social, com uma política económica de “Robin dos Bosques” ao contrário, em que se rouba aos verdadeiramente pobres para dar aos verdadeiramente ricos, como agora se está a verificar no socorro às finanças de Bancos de créditos duvidosos e gestão ruinosa e mesmo fraudulenta, significando a defesa dos interesses das verdadeiras corporações (não resisto a parafrasear o título da mais recente obra de João Aguiar, do “Priorado do Cifrão”) em que se privatizam os benefícios, mas se “socializam” os prejuízos e “passa a mão pelo pêlo” das franjas marginais (o que classicamente se designava por lumpen), através de subsídios vários, distribuídos por critérios mais do que duvidosos e que implicam a dispensa objectiva de qualquer tipo de esforço e de obrigação a extractos de população que se transformam em eleitores de voto cativo, quando não em “tropas de choque” para prélios vários, internos e externos a forças partidárias (a este propósito, veja-se o que se passa nos “Bairros Sociais” do Porto, por exemplo, no que toca à difícil relação das “populações” com a actual gestão municipal).
E ainda por cima e como estamos em maré de clássicos, é tudo para as “calendas gregas”, mesmo sabendo de antemão que estas nunca existiram, pois as “calendas” só figuravam no calendário latino. Quer dizer, o “saque” continua até ao fim da legislatura e depois logo se vê…!
Por estas e por outras no que toca ao “histórico” de credibilidade do Sócrates contemporâneo, mais “espertalhaço” do que o outro, não é difícil concluir, que este quer, ao contrário do ilustre ateniense, que sejamos nós a beber a cicuta!
António José Carvalho Ferreira
Co-fundador da Secção do Barreiro do Partido Socialista em Abril de 1974
Post-Scriptum:
* É evidente que não estou a pretender dizer que o caso “Casa Pia” é uma ficção, há é demasiados e “convenientes” erros de casting.
Um comentário:
TóZé
Venderam-me o paraíso em fascículos aquando do 25 de Abril, passados quase 35 anos li-os todos e encontrei o inferno, querem-me fazer crer que o único culpado da situação a que chegámos é minha e só minha, que a minha produção, enquanto trabalhador, é inferior em não sei quantos por cento à da Europa, e que ainda por cima sou mal agradecido, eu que nunca estive no governo, que sempre quis acreditar que o PS era o partido que podia dar-me o "paraíso" que tanto almejei e que tenho direito, quanto mais não seja porque mo prometeram, eu que me esfalfei a trabalhar para ganhar uns míseros euros que mal dão para por pão na mesa quanto mais para pagar impostos e outras mordomias para eles, agora vêm mais uma vez dizer que é desta é desta vez que eu vou ter o paraíso, que a minha classe vai ser a beneficiada com as politicas que agora vêm ai, é agora meus senhores, é agora, votem em mim que é agora que vão ter o paraíso, estou farto de fala-baratos de vendedores da banha da cobra, eles, os Varas os Costas os Cravinhos mais aquele que entrou pela porta da frente na CGD e saiu pelas traseiras com 18000 euros de reforma, mais o outro quando ministro das finanças arranjou a lei da SISA, na altura ainda era assim que se chamava, para que a casita dele pagasse menos umas centenas, e outro mais o outro e mais os outros todos que nos têm f----- à grande, tou farto, desta vez vou votar no Manuel Vieira, não ganha nada mas ao menos rimo-nos.
Desculpa este desabafo mas o dia não me correu nada bem.
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