Pessoalmente acho todo o cabimento nesta iniciativa, agora que a escola se vê confrontada com funções que até há bem pouco tempo, eram para ela acessórias e parecem ser hoje as suas funções principais.
Refiro-me obviamente à função de custódia, a função de baby ou kid sitting, que conjuntamente com a certificação de graus instrucionais que muitas vezes não correspondem exactamente àquilo que deveriam corresponder, são manifestamente as preocupações dominantes do poder político, pretendendo ir assim, rasteira e demagogicamente, ao encontro da representação de necessidades e de certas aspirações sociais.
Em suma, desde que os “meninos” estejam na escola e passem de ano sem grandes chatices “tá-se bem”; é inegável que a preocupação dos pais pela guarda dos filhos durante o seu período laboral é absolutamente legítima, demais a mais num modelo de sociedade onde e cada vez mais, quem trabalha se vê confrontado com ritmos e horários completamente desajustados de tudo o que é tempo para a família. Mas isso, curiosamente, não parece preocupar o poder político.
Vivemos num paradigma em que a miragem do “sucesso” nos traz no quotidiano o mais real dos insucessos, o insucesso relacional que nos atomiza e nos egotiza num mundo pleno de espaços virtuais, mas cada vez mais deserto de realidade.
A “solução” mais fácil passa por transferir para outrem aquilo que não estamos em condições de fazer, ou pelo menos de fazer bem. Claro que a esta “normalidade anormal” se junta a panóplia das várias disfuncionalidades que afectam a sociedade contemporânea, com especial destaque para a desestruturação familiar e, nesses casos, cometem-se à escola as responsabilidades que as “famílias” não estão em condições de assumir.
Assim, a escola passa a ter que ter ombros de Atlas para suportar todo o peso do mundo e não está também muitas vezes em condições de responder a problemas cuja génese não controla, nem pode controlar: o desemprego, a pobreza, a toxicodependência, a violência doméstica, a negligência parental, etc., etc.
Que faz o poder político? Tende a convenientemente “passar a bola” para a escola, mais concretamente para os professores a quem endossa a responsabilidade pelo “insucesso escolar”, pelo “abandono” e por aí fora, pretendendo, assim, “sacudir a água do seu próprio capote” e desviar de si mesmo o estrondoso fracasso das políticas educativas e já agora, económicas e sociais deste regime saído de uma madrugada de glória, entretanto atraiçoada.
Não estou com isto a querer dizer que as escolas e os professores enquanto agentes educativos não possam, nem devam ter nenhum papel e nenhuma responsabilidade no ataque a estas chagas sociais, mas sejamos realistas, a escola e os professores pouco mais podem fazer de que sinalizar os casos mais evidentes e problemáticos de que também como actores de primeira linha sofrem, até fisicamente, as consequências (e agora parece que todos os “santos” dias).
É claro que pondo as coisas deste jeito, depois a jusante, falha tudo, pois o Estado português não garante aos seus próprios cidadãos os meios efectivos de resolução de problemas de natureza social e opta por “fugir para a frente”, envolvendo tudo num paleio muito post‑modernaço típico do bluff intelectual e do flop sociopolítico que constituem estes, muito fracos, epígonos da “Terceira Via” que são os arautos da nossa auto-proclamada “Esquerda Moderna” que, em boa verdade, não é nem uma coisa, nem outra.
A esta propaganda infrene, ajuda a existência de um arsenal conceptual de uma nova sofística que, na sua versão demótico-popularucha, se traduz numa linguagem que tem vindo a elidir a consciência da responsabilidade de cada um, precisamente o que nos define como pessoas, e que começou pela disseminação telenoveleira do jargão “psi”, nomeadamente das “frustrações” e dos “traumas” e agora já vai nas bandas da “auto‑estima”, que são “conceitos-balão” visto que a sua utilização desadequada dá para tudo e por dentro nada têm.
A isto, vêm juntar-se doses maciças de burocracia e facilitismo e está criado o "faz de conta" que alimenta o actual estado de “circo” e teatro das ilusões, “circo” que se torna mais recorrente na falta de “pão”.
Torna-se óbvio que é preciso responsabilizar as famílias e não as deixar esquecer das suas funções, passando o Estado a assumir de facto as responsabilidades tutoriais por todos aqueles que não estejam em comprovadas condições de o fazer.
É que nisto de Educação (que, como costuma dizer um colega e amigo, arquitecto de formação e professor de profissão, é com o Urbanismo, uma das áreas de que toda a gente percebe, mais que não seja, porque toda a gente, mais ou menos, andou na Escola e toda a gente, mais ou menos, mora numa casa) não pode ser só a caça ao “bode expiatório”.
Mas como o exemplo deve vir de “cima”, convenhamos que cadeiras feitas por fax e diplomas passados ao domingo não ajudam; mas como disse Brecht:
“- Cada povo tem o teatro que merece!”