sexta-feira, 22 de outubro de 2010

“Entregar o ouro ao bandido” – dois aforismos e três lugares-comuns


Um dos principais problemas do país, para além da calamitosa situação económica e financeira e em estreita ligação com ela, é a insegurança jurídica e assim sendo, não se poderá dizer com propriedade que Portugal seja um Estado moderno, já que nestes a separação efectiva de poderes e a confiança jurídica nas instituições são condições sine qua non.
Entre nós nem os governos, nem os tribunais (que funcionam como é sabido), nem os sindicatos, inspiram e muito menos garantem, qualquer confiança na ordem jurídica supostamente estabelecida, por isso o medo nunca se desinstalou na sociedade portuguesa. Isto a propósito da anunciada Greve Geral para o próximo dia 24 de Novembro e dos seus reais efeitos muito provavelmente simbólicos, quando o “simbolismo” é uma corrente já superada pelo mundo surreal‑dadaísta em que vamos sobrevivendo. Mais uma vez os trabalhadores da Administração Pública que, é quase certo, irão ver os seus vencimentos cortados a partir de Janeiro (na verdade foram‑no já a partir de Junho com a subida dos descontos e do IRS), vão entregar ao Estado uma espécie de “dia de salário para a Nação”, que se fosse, por exemplo, um mês dispensaria qualquer PEC. A Greve Geral de um dia é, e aqui vai o provérbio, claramente - “entregar o ouro ao bandido”.
Os Sindicatos que, em regra, não têm fundo de greve e continuam nesta direcção das acções “simbólicas”, acabando por prejudicar mais os trabalhadores do que o contrário, demonstram estar mais no campo da retórica sindical do que da efectiva acção e por isso, e este é o primeiro lugar‑comum, mostram “ser mais típicos do século XIX do que do século XXI”, ainda por cima, com uma enorme diferença negativa nos resultados. O pior é que estes lugares-comuns se verificam com inteira propriedade e é óbvio o desfasamento deste tipo de lutas de massas que surtiam efeito quando se verificavam as, hoje praticamente extintas, grandes concentrações operárias agora substituídas por uma sociedade e um mundo laboral, e até um mundo mental, muito mais fragmentário e atomizado, tornando muito mais importante a acção nos locais de trabalho e as micro-lutas, atendendo aos dados específicos de cada situação que os sindicatos deverão sinalizar e em que deverão apoiar de facto os trabalhadores face aos abusos e aos desmandos que, contra a letra da própria lei, se multiplicam quer no sector privado, quer no sector público. Aqui cabe o segundo lugar‑comum, a acção sindical deve “pensar global e agir local”.
Nas questões laborais concretas as pessoas sentem-se abandonadas, quando não traídas, pelos sindicatos, e apesar de ser verdade que a percepção pode não corresponder necessariamente à realidade “objectiva”, não é menos verdade, e aqui vai outro lugar‑comum, que “em política o que parece é”.
Devemos manisfestar o mais vigorosamente que pudermos a nossa indignação, nas ruas, nos espaços de comunicação, mas, apesar do meu sincero e profundo desejo de que algo resulte da Greve Geral, se os sindicatos portugueses não “virarem a agulha” e continuarem na senda de acções inconsequentes e antecipadamente ineficazes só para “marcar o ponto”, a fazer de conta que estamos nos tempos das betoneiras a cercar o Parlamento, e aqui vem o segundo aforismo, mostram muito arcaicamente “ser mais amigos de uma suposta Humanidade do que dos homens e mulheres em concreto”.

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