segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Violências


A tipificação do bullying e da violência contra professores como crime de participação obrigatória reclamada há muito pelo Procurador-geral da República, honra lhe seja feita, suscitou de Mário Nogueira comentários que resumem as poucas participações, em forte contraste com o número real de casos, com o “temor que os professores têm de represálias da parte dos agressores”.
Ora, o caso é, desgraçadamente, bem mais complexo – os professores não se queixam mais a não ser em particular, nos “desabafos”, porque há um estigma que pende sobre a vítima e a culpabiliza por isso mesmo, por ter sido vítima. Não é só na China que as autoridades negam tudo o que seja susceptível de lhes beliscar a imagem, também as Direcções das Escolas e Agrupamentos tendem a ”varrer para debaixo do tapete” tudo o que fuja ao mundo cor-de-rosa da versão oficial da “Educação para todos” e, por isso, quando alguém evidencia problemas de indisciplina ou mesmo de violência, dando de barato que a fronteira é clara, o que me parece “música para camaleões”, é imediatamente estigmatizado(a) e o “disfuncional” passa a ser ele(a) ou porque “não tem mão”, ou porque “ferve em pouca água”, ou porque “é muito frágil”, ou porque “não se sabe dar ao respeito”, ou porque “se põe a jeito” ou por outra coisa qualquer.
Depois a mesma turma ou os mesmos sujeitos raramente têm “problemas” com outros professores, quer dizer - muitas vezes, os tais “outros” professores silenciam-nos porque já sabem o que a “casa gasta”, depois ainda, muitos dos colegas, a “miséria” humana é grande e em tempos de crise revela-se imenso no “mata-mata”, estão sempre prontos para fazer “boa figura” e atestar a bondade dos petizes, às vezes com mais de dezoito anos e um metro e noventa, e a tal “esquisitice” do professor queixoso. E finalmente, não é bom “arranjar problemas”, nem ser muito “rígido” e “inflexível”, é essencial criar “empatia” com os alunos e com as famílias, mesmo que passem a vida a enxovalhar-nos, porque isso depois se reflecte na própria avaliação do docente. É preciso mostrar sempre “disponibilidade” e tolerar mesmo o intolerável, porque o professor é o único “actor” social, para utilizar o jargão da moda, a quem foi confiscada a dignidade e os direitos de cidadania, passando a achar-se “normal” que sirva de “escarrador” público e de saco de boxe para descarregar o mal de vivre alheio.
A minha geração, nasci nos anos 50, carrega um fardo singular que, no entanto, nos permite ver os dois lados da tortilha – quando éramos jovens, filhos e alunos, a “culpa” era sempre nossa, tornámo-nos adultos, pais e professores no preciso momento em que a “culpa” saltou a rede, e passou, do outro lado, a ser nossa à mesma.
Arre!!!
A propósito desta temática e para não nos sentirmos sós na desgraça, sugiro que vejam o filme, exibido há dias na RTP 2,“O Dia da Saia” (La Journée de la jupe) de Jean-Paul Lilienfeld com uma soberba interpretação de Isabelle Adjani no papel de uma professora que às tantas se ”passa”.
Já agora, seria melhor que o Mário Nogueira e os nossos representantes sindicais em geral, encarassem o problema de um modo mais sério, começando por abordá-lo com menos simplismo. Já estamos fartos de “abreviaturas”!

Um comentário:

AGA disse...

Excelente texto. Tenho que o afixar na sala de profs.
Também vi o filme.