António José Ferreira, Barreiro, 1956 *
Professor de Filosofia desde 76/77 * Co-fundador da secção do PS no Barreiro em Abril de 74 * Um socialista "insociável" * "Incapaz de assistir num só terreno"
Tendo ocorrido uma espécie de "Fundeira" ("Cimeira" dos sem fundos) que juntou os líderes políticos da Itália, da Espanha, da Grécia e da Irlanda pode perguntar-se, dada a identidade de circunstâncias, porque razão Portugal nela não participou?
Das duas, uma: ou não foi convidado ou declinou o convite. Na segunda das hipóteses, porque insiste na "rábula" do bom aluno; na primeira, porque os "cábulas" não costumam gostar de "marrões".
Desde o Gabinete do Primeiro-ministro à mais singela das Repartições, passando pelas tabuletas das obras que ainda restam, às Escolas, Serviços de Saúde, Segurança Social, etc, até à lapela dos membros do Governo e titulares de cargos de nomeação (AICEP e por aí fora), se pode ver o timbre da bandeirinha e a inscrição "Governo de Portugal".
Como bem advertiu Orwell (e muitos outros), esta forma de "novilíngua" costuma andar às avessas da realidade e a autêntica praga do "Governo de Portugal", visível na inundação do espaço público e na exigência hierárquica da sua utilização "à outrance" nos serviços públicos, é claramente o sintoma de que o chamado "Governo de Portugal" não passa de um governo fantoche e quem de facto governa Portugal é uma Junta Financeira ocupante.
Resta saber se Portugal alguma vez terá "governo"?!
As recentes "confissões" de Portas configuram a sua especialidade: o rapaz é mesmo "garganeiro". Tenta sempre comer o bolo e, ao mesmo tempo, ficar com ele. Uma autêntica "coirografia", ou seja, uma coreografia de "coirões".
Ao meu colega e amigo Francisco Edgard, com um abraço.
O vetusto "nacional-porreirismo" compreende duas estirpes maiorítárias: o "social - porreirismo" e o "liberal-porreirismo". Das passagens administrativas às vagas ad hoc para várias funções de Estado, até aos cursos acabados ao domingo, às "licenciaturas" por equivalência, passando pelo "reconhecimento de competências", pela legalização de milhares e milhares de edificações clandestinas, pela "inutilidade superveniente", pela apropriação de propriedade alheia, pela "eternização" do provisório, pelo "usucapião" por ir ficando, tudo com proveito para o "chico-espertismo" e o mais infame dos oportunismos, demonstrando à saciedade que Portugal é de quem calçou as botas primeiro. Todas são manifestações do "espírito" do "nacional-porreirismo" que nos últimos quarenta anos tem vivido o seu esplendor à pala do amiguismo, do compadrio, do "jeitinho", do factor "C", da "boa vontade" (Kant, que é alemão, deve dar saltos no túmulo quando lhe falam destes conceitos "à portuguesa"), tem tido por "apóstolos" os "sociais -porreristas", tudo malta (eis outro conceito "nacional-porreirista) de "esquerda" ou pelo menos com preocupações redistributivas (repartem tudo irmãmente, sendo que garantem sempre para si próprios o quinhão do irmão mais velho). Agora, em plena "crise", chegou a vez dos "liberais-porreiristas" que sendo uns zeros mais à direita e dos principais beneficiários do social-porreirismo - carreiras partidárias nas "jotas", cursos concluídos por volta dos quarenta em "universidades" privadas, "currículos profissionais" apenas em "empresas" dos "tios" e dos "padrinhos" - intentam decretar o seu fim, na míngua de "capital social" e alardeiam a "exigência", o "rigor", a "contenção" e a "austeridade" só para os outros, através do assalto fiscal apenas a quem ainda trabalha ou trabalhou toda a vida e já está completamente sufocado por impostos, cortes e outros esbulhos disfarçados ou à paisana. Este é o lado "liberal"; o lado "porreirista" é que, pesarosos e com a lágrima a espreitar, correm imediatamente a pedir desculpa (por favor, não tragam é a corda ao pescoço, porque podem "dar ideias" a alguém).
Segundo o Governo, a baixa da Taxa Social Única para as empresas, e o seu aumento para os trabalhadores, vai proporcionar um reforço de tesouraria que estas utilizarão no combate ao desemprego.
É verdade, pelo menos para as empresas que produzem e para os stands que comercializam este tipo de "popós" e outros bens da mesma gama.
Passos veio agora anunciar as novas medidas de "austeridade" que permitem acatar (na verdade espera que permitam contornar) o acórdão do Tribunal Constitucional. Foi uma intervenção atabalhoada e palavrosa, mostrando afinal falta de coragem e procrastinação elocutória, pois o "embrulho", de muito pouca valia retórica, diga-se de passagem, serviu apenas de longo intróito para uma frustre justificação de questões semânticas (ou melhor, pragmáticas) como a de explicar que o brutal aumento de descontos impostos aos trabalhadores (e diminuição ao patronato) não é uma subida de "impostos", mas apenas de "taxas", "nuance" muito importante para todos (com especial destaque para o cinismo do CDS/PP que, ainda há instantes, arrepelava os cabelos e rasgava as vestes contra o "aumento da carga fiscal") menos para aqueles que as vão sofrer.
Trata-se de mais uma gigantesca operação Robin Hood às avessas, roubar ao Trabalho para engordar o Capital. Ao contrário do que proclamam os "vendilhões do templo", Marx e Lenine estão longe de estar "mortos" quanto à natureza e às funções do Estado que significa sempre a ditadura de uma "classe" sobre as outras. Em Portugal (e não só), às cavalitas da "troika", os mandaretes dos grandes interesses "privados" decidiram aproveitar a larguíssima janela de oportunidade para abocanhar o património público e promover a maior e mais sórdida transferência de recursos de que há memória.
Os florilégios de Passos, ainda que de muito fraca qualidade, certamente bebidos na compreensão juvenil de uma leitura precoce de "A Fenomenologia do Ser", obra inexistente que ele próprio atribui a Jean-Paul Sartre, revelando nisto a "escola" do "tio" Santana com a facécia dos "concertos para violino de Chopin", mas com um impacto muito mais devastador, veio, mais uma vez, tornar verídica a velha relação da "amêndoa", que é sempre pior, com o "cimento".
No fundo trata-se apenas de estender o esbulho aos trabalhadores do sector privado, sem o aligeirar a ninguém (a não ser ao patronato, claro), num exercício de rapacidade "equitativa".
E já nos fere os tímpanos o choro das carpideiras do costume; agora só é preciso que, desde o "líder da oposição" cujo partido, que é também o meu, tem largas culpas no cartório, até ao "avô cantigas" de Boliqueime/Belém, passando pelo Tribunal Constitucional, pelos sindicatos e por toda a "sociedade civil", mesmo falando menos, faça mais. À generalidade dos portugueses só lhes resta vir para a rua.