terça-feira, 29 de março de 2011

É só preencher uns papéis





Para a mentira ser segura


E atingir profundidade


Tem que trazer à mistura


Qualquer coisa de verdade


António Aleixo


A ignorância e a má fé costumam andar de mãos dadas, até porque uma se alimenta da outra, e nesta” never ending story” da chamada avaliação de professores tem sido, em demasia, o caso. Os argumentos são recorrentes por parte de um poder político que fez deste chavão simultaneamente uma “bandeira” governativa e uma manobra de diversão – explorando o “lado negro” da política, que é a demagogia, com danos já vistos para o Partido Socialista, por isso é também difícil compreender a extensão da estupidez mascarada de “coragem”, de “determinação” e de outras putativas virtudes que não existem face a alvos mais poderosos, mais também recompensadores em destinos futuros. De certo modo o ardil é habilidoso pois explora um lastro de ressentimento explicável à luz de uma “psicanálise” de massas. É preciso “dar sangue à populaça”, então que se arranje um bode expiatório que compense o encargo e “encaixe” no perfil – “corporação, lóbi, funcionários públicos, bem pagos, com muitas férias, que só trabalham de manhã, que chegam todos a generais” e o resto do “argumentário” conhecido. É claro que nada disto é verdade em absoluto, mas num país em que “a galinha da vizinha é sempre mais gorda do que a minha”, “cola” e dá jeito a todos, menos aos visados, que “cole”, pois fragiliza e abre margem de manobra para o ataque em várias frentes – a baixa efectiva de remunerações, a precarização contratual e o controlo burocrático acrescido por intimidação constante. Tudo isto segue uma agenda e obedece a um plano que visa destruir o que se afirma estar a defender, como a “Escola Pública” e o “Estado Social”, através da sua degradação funcional por minagem da autonomia e criação constante de factores de perturbação. Na questão da chamada avaliação de desempenho de professores é mais do que evidente que não se pretende avaliar efectivamente nada, pretende-se pôr em prática um conjunto de medidas entre o burocrático e o puramente vexatório que “domestiquem” todo um grupo profissional tirando partido das suas fragilidades corporativas, da sua heterogeneidade, da sua grande dependência económica, da sua falta de alternativas profissionais, do seu grande número e média etária elevada – a que a acresce um enorme “exército de reserva” disponível por qualquer preço e mais “moldável”. Não é por acaso que quem pode foge, basta repara nos milhares de professores (e também médicos, magistrados e outros quadros de serviço público) que correm para a aposentação antecipada, mesmo com elevadas penalizações monetárias. Para que não se diga que se quer apenas “destruir”, aqui ficam algumas propostas sérias, se o real intuito fosse avaliar práticas profissionais para melhorar desempenhos: - Não se poderia, em caso algum, deixar de ter aulas observadas. No modelo agora suspenso essa observação é, na esmagadora maioria dos casos, facultativa. - As aulas a observar seriam sequências longas de unidades didácticas completas e não apenas duas, passíveis de encenações e ensaios prévios. - O período em avaliação, deveria ser longo, coincidindo com cada escalão profissional e não serviria apenas para afogar os docentes em papelada e tarefas inúteis e contraproducentes, ano sim, ano não. - A distância funcional entre avaliadores e avaliadores deveria ser séria e não uma espécie de “vira” ou “baile mandado” onde hoje “avalio-te eu”, para a próxima “avalias‑me tu” e ficamos quites. - Se observassem actos e não ficções bem embrulhadas como a maior parte da “palha” dos portefólios a metro cheios de “evidências” nada evidentes. - A realidade sobrelevasse sobre o “folclore”, que é apenas a que se reduz uma grande parte das iniciativas de papelinhos, papelotes e bonecada pelas escolas afora e adentro, sem qualquer efeito educativo real. - Fosse uma avaliação séria e transparente, com critérios justos e universais, com resultados públicos, imune a compadrios e amiguismos e não possibilitasse a actual “previsibilidade”- pois conhecendo cada escola, é possível determinar a priori, no início de cada biénio, quem no fim do processo vai ser classificado com as menções de topo (Muito Bom e Excelente) independentemente do que faça ou não faça, com um grau de acerto igual ou superior a 90% (assim aproximado à do “score” do actual Primeiro‑ministro nas eleições internas do PS). Quanto aos triviais argumentos que exploram a santa aliança entre a ignorância a má fé, convirá esclarecer que mais vale suspender um processo iníquo a meio do que deixá-lo chegar ao fim e produzir iníquos resultados. Para quem como a senhora ministra, aliás como já a senhora ministra anterior, afirma que o processo nada tem de burocrático e: “Afinal, é só preencher uns papéis”, pergunta-se quem quererá fazer passar por trouxa e se não estará nada a montante do preenchimento dos tais “papéis”: horas e horas de produção de outros papéis e inutilidades várias – reuniões, grelhas, relatórios, actas, instrumentos de registo, pareceres, recomendações (e, já agora, que outro processo da avaliação de desempenho conhecem que contenha 72 descritores?). É que como a coisa é contada, dá a ideia que é preencher o boletim do “Euromilhões” - o que de certo modo e quanto aos resultados, é verdade, pena é que neste caso o “prémio” saia sempre aos mesmos. Outro argumento falacioso é o de que “tudo estava acordado com os Sindicato”, pense‑se o que se pensar dos Sindicatos, a verdade é que estes assinaram com o governo, através do Ministério da Educação, um “Acordo sobre Carreiras” em que estava incluído um processo de Avaliação de Desempenho como condição de progressão. Ora, quem o quebrou, mesmo que tenha sido por forçado a fazê-lo por imperativos orçamentais inelutáveis, foi o governo, ao congelar as carreiras e até ao cortar salários. Como se justificará manter apenas uma parte do acordo se as suas eventuais consequências positivas para os profissionais estão bloqueadas sem que se saiba até quando? Era bom que o poder político em Portugal começasse a devolver aos cidadãos mais do que a triste e mentirosa imagem do seu próprio espelho.

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