São inegáveis as "conquistas de Abril" e uma das mais preciosas é, sem margem para dúvidas, o Serviço Nacional de Saúde. Apesar das suas imensas distorções e insuficiências - da falta de cuidados primários (carência gritante de "médicos de família"), da insuficiência de presteza e qualidade de muitos dos Serviços de Urgência (a "eternidade" das esperas e a rudeza do atendimento), das enormes listas de espera para cirurgias (em que muitos dos intervencionados nunca sequer figuraram), dos grandes desperdícios e
sub-aproveitamentos ditados pela promiscuidade real entre o sector público e os interesses privados e corporativos (não apenas de um, mas de vários e enredados "grupos de pressão") que provocam uma objectiva "captura" do Sistema em proveito de tudo, menos do "Interesse Geral".
Apesar de tudo isto, o que é certo é que há nichos de excelência e passámos rapidamente (trinta anos na História são um ápice) de indicadores terceiro-mundistas para cifras de vanguarda (mesmo sabendo nós o que são as estatísticas) na redução drástica da mortalidade infantil por exemplo (em que estamos muito à frente dos Estados Unidos - o que, pensando bem, acaba por não ser espantoso).
Mas há um sector fundamental em que acabámos por regredir - o da Saúde e Higiene Oral.
Se bem me lembro, parafraseando o saudoso Professor Vitorino Nemésio, os Postos da "Caixa de Previdência" (os Serviços Médicos Sociais) da minha meninice (anos 60 do "século passado") dispunham de consultas de Estomatologia, para onde os miúdos costumavam ir arrastados pelos pais, já que as mães e as avós não tinham força para tal e da qualidade do desempenho dos dentistas, médicos estomatologistas na sua generalidade (está bem que depois apareceram os "sargentos da Marinha" e outros que tais) e mesmo considerando a "bruteza" do trato clínico da época, pouca gente se poderá queixar.
(A propósito, não posso deixar de lembrar o "velho" Heraclito quando afirma: "Gente estranha são os médicos - sangram, cortam, amputam, torturam e, ainda por cima, exigem honorários").
O que se terá passado para os dentistas terem, pura e simplesmente, desaparecido da Saúde Pública entre nós, não sei, mas todos sabemos que desapareceram e que o Serviço Nacional de Saúde se "esqueceu" desse "ligeiro pormenor" e, assim, deu-se uma autêntica regressão social, tendo nós hoje, um dos indíces mais baixos de saúde oral da Europa.
Sendo certo que temos uma população dada a futilidades e a uma "cultura" da aparência que despreza o essencial em favor do "luxo" e do acessório, por isso muito do dinheiro gasto por particulares em dentistas deve-se a "modas" como o "branqueamento" dentário (chamam-lhe questões de "estética" quando é puro kitsch) e aparelhos de ortodôncia usados, quase como insígnias, a "torto e a direito" (como diz Salazar em "Como Se Levanta Um Estado" - "se quereis conhecer verdadeiramente uma casa portuguesa, não fiqueis pela sala de visitas, ide aos quartos").
Não é menos verdade que o total desinvestimento do Estado nesta área crucial da Saúde provocou a negligência generalizada nos comportamentos e vem "engordando" os "gulosos" do costume e não apenas aqueles que por excesso de açucar dão cabo dos dentes.
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2 comentários:
A Estomatologia assim como outros sectores da actividade económica, não nos podemos esquecer que a saúde é um negócio e que cada médico é o patrão do seu negócio, mas a Estomatologia passou por um período de "nidificação", aninhou-se, não evoluiu, fazendo com que fosse pouco atractiva como carreira, o que fez com que os poucos médicos que prestavam serviço na "caixa de previdência" fugissem para o sector privado onde eram várias vezes mais bem remunerados, hoje temos o paradigma de encontrar uma boa percentagem de "dentistas" de nacionalidade Brasileira, e que com o evoluir das técnicas da própria especialidade passou a ser uma profissão muito interessante levando muitos jovens a procurarem licenciatura na mesma.
Saudações Socialistas
A propósito dessa desvalorização endógena de que eram (e ainda são) alvo os estomatologistas ("dentistas") por parte até dos seus colegas de outras especialidades e logo, por "osmose" do "povão".
Nestas coisas do "pedigree" somos terríveis e é, também ,por isso que há poucos "médicos de família" e até os clínicos gerais se viram compelidos a transformarar-se numa "especialidade".
Porque segundo aquela velha e nunca desmentida "Lei da Dialéctica" que enuncia que "o particular reproduz o geral" há estereótipos para tudo.
Assim "os psiquiatras são doidos", os clínicos gerais serão "tipo João Semana" e os "dentistas" serão "médicos de segunda ".
Por isso o mais básico dos cursos tem de ser uma "licenciatura" (Sócrates incluído) e se dão (literalmente) diplomas do 12ºano através de um expediente demagógico chamado "Novas Oportunidades" e até as velhas "mulheres a dias" são agora "técnicas de limpeza" ou "operadoras/es de serviços gerais" .
Isto faz-me lembrar um episódio verídico passsado entre um pai e um filho da "fidalguia" cá do Barreiro, que não vou identificar, mas como cá viveste, deves conhecer e até reconhecer a "estória" real.
O filho de um conhecido quadro industrial da velha CUF foi cursar medicina para fora de Lisboa e ao fim de quase vinte anos de estúrdia, telefonou ao pai a dizer-lhe que tinha aberto "Dentária", que davam equivalências e o Curso seria mais fácil e que ia pedir transferência.
O pai respondeu neste tom:
- "Dentistas?! Não quero cá dentistas!!! Ouviu?! Nesta família é assim: Médico ou morra! Ouviu?!
Médico ou Morra"!!!
E foi médico, quase aos quarenta mas foi médico!!!
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