sexta-feira, 16 de maio de 2008

Saramago

Sou um leitor assíduo de José Saramago, glória merecida das letras portuguesas, verdadeiramente gostei imenso de três obras ( tal como em Lobo Antunes e mutatis mutandis ), "Levantado do Chão", "Memorial do Convento" e "O Ano da Morte de Ricardo Reis",das restantes nem por isso. Não vou no entanto, falar da obra mas do homem : é sabido que Saramago não prima pela simpatia , tem até "mau feitio", talvez isso explique a sua lúcida e tenaz longevidade, de tão ruim, a "negra" não quer nada com ele e eu tive o privilégio de assistir a um episódio onde o nosso homem se revelou numa extensão , para mim pelo menos, inusitada .
No Outono de 75, em pleno PREC e nas vésperas da independência de Angola , os estudantes da Academia de Lisboa foram convidados, penso que pela R.I.A. (Reunião Inter-Associações) a participar num comício de apoio à independência das colónias que se realizou no Pavilhão do Estádio Universitário e que teve como "convidados especiais" o escritor e Professor da Faculdade de Letras, em que eu frequentava o Curso de Filosofia, Urbano Tavares Rodrigues e o jornalista , era assim que era conhecido na altura, não ainda como escritor, José Saramago, aliás, foi na altura daquela polémica do "saneamento" de jornalistas não PCP, nem compagnons de route do Diário de Notícias, jornal que se tem caracterizado por ser uma espécie de orgão oficioso do regime qualquer que ele seja, e no caso não foi excepção , em que Saramago na qualidade de Director-Adjunto ou seja eminência parda, terá tido um muito activo papel de inquisidor.
Com a sala a abarrotar de jovens , eu tinha dezanove primaveras, de várias facções políticas entre a esquerda e a extrema-esquerda (where have all the flowers gone ?!) com um barulho incrível de palavras de ordem contraditórias; o primeiro a intervir foi Urbano Tavares Rodrigues que profere um discuro assim para o "comuna rosado ", simpático, ligeiro ,de um antifascismo delicodoce que foi aplaudido por todos sem grande entusiasmo; interveio depois o nosso "amigo" num estilo completamente diferente, enérgico, zaragateiro, que culmina em provocação geral:
- Viva o MPLA, único legítimo representante do povo angolano, quem não apoia o MPLA, não pode ser senão fascista !
É claro que se gerou um sururu enorme com o pessoal da UEC a gritar :"MPLA, MPLA !!!" e o pessoal dos outros grupos a assobiar e a apupar numa chinfrineira total, Saramago insiste ao microfone :
- Quem não apoia o MPLA é fascista, fascista !!!- o people da extema esquerda e da JS e até da não esquerda que lá estava disfarçado (convém esclarecer que o PS e a JS eram as organizações mais à "direita" desdenhosamente toleradas neste tipo de eventos em nome de uma pretensa unidade, que nunca ninguém definiu em que consistia ; mas suponho e não me devo enganar muito que seria para ser "despachado" a seguir como em Angola em 77), respondeu aos urros de :
- Fascista és tu !!! Vai-te embora !!!Vai-te embora !!!
Nesse preciso momento, Saramago que já andava ,tal como Urbano, pelos cinquentas, põe as mãos entre pernas e berra :
- Toma lá pró fascista !!! Toma !!! Toma!!!
Confesso que só no futebol tinha visto coisa semelhante !
É claro que em Estocolmo não fez o mesmo, do que o rei da Suécia se livrou..., é que o homem não vai "à bola" com "altezas" e a única "majestade" que reconhece é a sua própria e ainda por cima, o "Nobél" como ele gosta de dizer, deu-lhe guita !

2 comentários:

José Borges disse...

É de facto uma história deliciosa! Muito obrigado! (vou continuar por aqui, claro!)

imank disse...

Obrigado grande Zé Borges
e VIVA A REPÚBLICA !!!
Um abração :
António José